São 7h da manhã agora. O cheiro do café coando enche o ambiente e me desperta aos poucos. Mato o tempo olhando o feed do Facebook, meio que no automático. Parece que tem uma campanha rolando, para doação de sangue. Lembro que uma vez me disseram que meu sangue era ótimo para doações, por ser tipo O- . Tem alguns amigos que vão participar, talvez eu vá também…

Me levanto pensando: “Será que eu vou? Tenho medo de agulha!”. Começo a preparar o meu café-da-manhã para saciar o desejo alimentado pelos meus vizinhos e fico refletindo sobre o intuito de doar sangue. Uma hora dessas pode ser eu quem esteja precisando. Pode ser a minha mãe, o meu pai, a minha melhor amiga. Fico refletindo sobre os acidentes que já vi nos noticiários, as pessoas perdendo sangue e quase morrendo por falta dele. Terminei meu café fazendo essa reflexão: preciso doar.

Saio à rua com a decisão de doar sangue na cabeça. Estou decidido a fazer o bem ao próximo, acredito que todas as pessoas deveriam fazer isso, é uma forma de demonstrar empatia, acredito. Peguei o metrô até um hemocentro próximo com essa ideia na minha cabeça, estava me sentindo feliz em ir doar meu sangue por uma boa causa. Vejo sempre os hemocentros fazendo campanhas para que as pessoas doem sangue pois o banco está em falta: chegou a minha hora.

Chego no hemocentro e vejo um grande banner indicando a campanha do mês “Junho Vermelho”, para doação de sangue, e penso: “Que campanha linda! Espero que tenham arrecadado muitos litros de sangue, vejo que é bastante necessário”. Entro no hemocentro e me declaro como doador pela primeira vez. Me pedem para sentar e esperar para que eu seja chamado. A recepcionista me encara com um olhar estranho, meio que desconfiada, sigo pleno aguardando até ser chamado. O médico me chama. Entro na sala e ele pede para que eu me sente na frente dele e responda uma ficha. Inicialmente, as perguntas foram bem tranquilas, até eu me deparar em uma parte: “Perguntas para os homens” e uma delas é “Você fez sexo com outra pessoa do sexo masculino dentro de 12 meses?”. Eu penso: “Mas que pergunta esquisita para se fazer ao invés de perguntar apenas se é homossexual, mas, também, por que isso lhe importa? Não compreendo.” Assinalo a resposta “Sim” e entrego o formulário para o médico. Ele analisa e me encara ao mesmo tempo. Até que ele termina e me olha por um tempo, o mesmo olhar que a recepcionista estava me dando. O médico me olha fixamente e me diz com todas as palavras: “Você não pode doar sangue, porque conta dessa última pergunta. Homossexuais que mantiveram relações sexuais com menos de 12 meses não podem doar.” Eu fiquei paralisado. “Como assim? O que há de errado com o meu sangue?”

Voltei para casa desolado, uma tristeza sem fim. Até então, não tinha noção de que ser homossexual deixava meu sangue ser impuro para ser doado. Fiquei em casa pensando nisso que me ocorreu. Me pego pensando porque não posso ser um doador, por que homossexuais não podem ser doadores? Homossexualidade já deixou de ser tratada como doença pelo Conselho Mundial de Medicina desde 1990, porém ainda estou vendo que não funciona assim. Qual o motivo do meu sangue ser impuro que eu ainda não compreendi? Dizem que não posso doar por conta de relações sexuais, mas eu percebi que não é bem assim a verdade.

Encontro uma pesquisa na internet onde me revela que são perdidos 18 milhões de litros por ano nos hemocentros devido ao preconceito que ainda existe sobre nós. São 18 milhões. Quantas vidas não salvamos com 18 milhões de litros de sangue? Até quando iremos viver sob este preconceito? E, o pior, não vejo interesse nenhum para que isso seja mudado. Uma vez que, isso já é uma prática desde sempre nunca mudada. Um atraso no tempo. Saber que até a Rússia permite que homossexuais doem sangue e o Brasil não, é muito chocante.

Visto isso, decido não me calar, preciso defender a minha bandeira, preciso me levantar contra este preconceito e mostrar que somos saudáveis. Não é porque somos homossexuais que somos doentes, que todos nós temos HIV, isso é um pensamento tão retrógrado e ignorante. A maioria dos casos atuais de HIV atualmente acontecem com homens heteros, mas parece que o preconceito é maior que a racionalidade. Agora, quero fazer o que for para ser ouvido, quero justiça!

 

Texto/VAN: Emerson William e Samara Santos
Arte/VAN: Thauana Gomes

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