Por: Késsia Carolaine

“Você sonha em uma língua que eu não consigo entender. É como se estivesse esse mundo dentro de você onde eu não consigo ir.”

Em “Vidas passadas”, iremos acompanhar a história de Nora e Hae Sung. Ambos foram melhores amigos de infância que, aos poucos, foram se transformando em um amor puro e sincero de duas crianças. Quando os pais de Nora decidem se mudar para Nova York para conseguirem mais prestígio profissional, ela e Hae Sung perdem o contato. Anos depois, em um acaso, os dois se reencontram e os sentimentos e questões do passado voltam a atormentá-los.

O longa começa com três pessoas em um bar e uma pergunta que está sendo feita por um indivíduo que não conseguimos ver. A pergunta que se sucede nesta cena é: “quem você acha que é namorado dela?” É neste momento que o filme volta anos atrás para de fato estabelecer uma história linear. Talvez a beleza deste filme seja a ternura que é expressada, tanto pelos personagens quanto pela cinematografia e direção. Cada frame remete ao sentimento de uma abraço quentinho e tranquilidade.

Greta Lee, a atriz que dá vida a Nora, consegue transmitir todas as emoções de sua personagem com maestria. Não sou muito fã de atuações “explosivas”, apesar de compreender cem por cento que alguns filmes e séries vão exigir um tom mais expressivo dos atores. Não é o que temos aqui. Como dito anteriormente, o tom do longa é mais calmo e, claro, que as performances dos atores teriam que ser mais focadas em pequenas expressões e olhares que transmitem infinitos sentimentos. Voltando para Greta, ela conseguiu obter e transmitir o melhor de Nora. Até porque, sua personagem é cativante, inteligente e enérgica. Nos momentos onde o filme obtia um tom mais dramático, Greta teve êxito em abraçar estes sentimentos também e de uma forma linda, fazendo nosso coração e emoções ficarem balanceados.

Hae Sung é interpretado pelo talentoso Tae Yoo. Personagem que também carrega uma tranquilidade, porém diferente de Nora, Hae Sung deixa implícito que ainda é atormentado pelas escolhas de outro alguém (no caso de Nora). Além disso, é perceptível como ele tem muito a dizer mas não o faz, até um certo momento. Outro personagem que é importante para a trama é Arthur,  interpretado por John Magaro. Arthur é marido de Nora, e em quase todo tempo esperamos que ele dê um passo errado para julgá-lo. Não é isto que acontece aqui. Poderia ter sido diferente em qualquer outra produção, mas aqui, Arthur é aquele marido amoroso, leal e que compreende que sua esposa precisa de um espaço para lidar com os sentimentos à tona. 

O longa não seria tão bem recebido pela crítica se  focasse apenas na história de Nora e Hae Sung. O complemento com a direção magistral de Celine Song (que também é roteirista do filme), a trilha sonora simplista mas eficaz e cinematografia conseguem engrandecer o filme emocionalmente. Talvez o motivo para o filme ser tão íntimo, seja pelo fato dele ser baseado na história de vida da própria diretora. Outro destaque no filme, são as cenas onde a câmera se aproxima do rosto dos protagonistas, transmitindo o sentimento de intimidade, apesar de muitas vezes esse sentimento vir acompanhado de uma certa estranheza também. Imagine por um instante que, depois de anos,  você reencontra seu primeiro amor… Claro que seria um pouco estranho, não?

No decorrer da história, acompanhamos Nora e Hae Sung andando pela cidade de Nova York, nos pontos mais marcantes da cidade. É interessante como a dinâmica deles funciona. Muita coisa a ser dita, porém, um certo receio de deixá-las sair. Minha parte favorita, e um artifício que tem sido muito usado em filmes, é o silêncio. Em alguns longas é usado de uma forma arriscada e equivocada, o que pode atrapalhar a experiência. Em outras produções, porém, ele pode ser uma boa carta na manga se usado da forma correta. É o que acontece aqui. Em diversas cenas, os personagens ficam em um silêncio ensurdecedor, mas não desconfortável. A sensação que passa nesses momentos, é a de nostalgia para os dois lados. Muitas lembranças vagando pelas memórias de ambos, se recordando da infância e como eles eram cúmplices um do outro.

Vidas passadas é sobre afeto, decisões e impacto. Afeto por ser um sentimento tão importante a ser compartilhado com outras pessoas no decorrer da nossa trajetória. E este afeto pode sim se transformar em amor. Decisões impactam nossa vida e a vida das pessoas que temos intimidade, que fazem parte do nosso círculo social. Pode ser assombroso o simples pensamento de que qualquer decisão que é tomada, sejam elas importantes ou não, o curso da nossa vida pode mudar drasticamente.