Vida da Gente é uma coluna quinzenal de divulgação dos zines¹ produzidos por mulheres em situação de privação de liberdade, na Unidade Feminina da Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (APAC) de São João del-Rei.

“Sem Título”, de Karla Nicole, agosto de 2022.

Transcrição de “Sem Título”, de Karla Nicole

“Uma mulher desiludida, confinada do seu direito de ir e vir, seca, fria, com medo, mas um dia pede a Deus para enviar um namorado abençoado.

No dia 20/03 acontecia uma missa onde despertou na jovem Alice o amor e viu um jovem em frente a igrejinha tocando pandeiro e o amor foi despertado por ambos e os olhares trocados.

O amor redime o sofrimento.

“Por que cuidar?”

O amor tem que ser como uma flor, cultivando, cuidado, regado e isso alimenta a alma desses jovens, Alice e Andrey, de amor. Mesmo cercado por várias pessoas eles estão sobrevivendo a cada insulto, a cada palavra “desista”, a cada frase “não vai dar certo”, mas o amor esta sobrevivendo. Mesmo somente por cartas, eles estão vencendo cada obstáculo, eles sentem saudades, mas há duas portas que o separam e grades, mas este amor está sobrevivendo, está sendo vivido por eles. 

“O amor que também pulsa”

O 1º beijo foi 20/05 na quadra de um evento. Aí o coração disparou, as mãos ficaram trêmulas, frio na barriga, coração disparou, aí nasceu além do amor, o carinho e o respeito. A humildade do amor, que é a renúncia para ver o outro feliz, é também superar o insuperável. Mesmo à distância já se trocaram mais de 25 cartas, então bateu o amor!

“Como a arte pode mudar a vida?”

Alice se pergunta: o que é o amor?

Amor é fogo que arde sem se ver, é o supremo do insuperável ser superável.

Amor poderia ser elom sexo, mas vai além disso, amor é se doar para si mesmo, depois amar o outro que se tornará membro da sua família, estranho, mas o amor vai superando o elo da separação. Dois corações estão unidos na mesma sintonia da união da superação do seu íntimo mais oculto do seu ser, do superável e do insuperável! Te amo

“Boca seca, intestino preso, sono.
Tudo é muito colorido,

quase poderia sentir.”

“O que acontece cada vez que você sente?”

É indescritível e permissível e cada carta enviada vai ali um amor profundo junto. Mesmo o se o seu grande amor está afastado pelas grades, pela pequena distância, que circunstância a separação mesmo sendo por um processo que um dia chegará ao fim. O que sente ambos? Um pouco frustrado um amor que tudo será suportado. Tudo vai além das grades, do barulho dos cadeados e da solidão da noite, onde ambos deitam, cada um num regime e leem a carta um do outro como uma conexão profunda de pensamentos, que a lei atrai este coração de amor.

Até que um dia, Andrey foi trabalhar no confinamento e eles ficaram via carta afastados, mas Alice entristeceu, ficou apática, triste sem se falarem, mas ela como uma mulher sábia, continuou escrevendo, duas cartas por semana, onde o mesmo escreveu secamente e mesmo assim Alice continuou insistindo na escrita e Andrey continua lendo as cartas e não respondendo devido ao trabalho árduo, cansado. E Alice entende e escreve toda vez sobre o seu amor por ele que alimenta cada vez mais e ela sente que ele sorri a cada carta recebida e assim Alice vai sobrevivendo ao amor!

“Uma coisa significa outra coisa quando muda de lugar?”

O que muda para Alice? Nada, só aumenta cada vez mais, ela transmite a ele esta segurança, este amor, a espera de vê-lo, de estar perto dele e estão sobrevivendo este amor de tudo isso.
O que o amor não supera? O que o amor não perdoa? O que é o amor? O que é a vida sem o amor?
Nada!

O amor é perdão!

Por isso o amor sobrevive a tudo e tudo suporta, tudo se entende, tudo se vivencia!

O amor no cárcere!

O cárcere no amor!!!

“O que permanece invisível no nosso dia a dia?”

A demonstração do amor!!!”



Mediadas por Taisa Maria Laviani², as oficinas de zines realizadas na APAC Feminina de SJDR tem como objetivo abrir espaço para o diálogo, a reflexão, o fazer manual, a criatividade e a autoralidade, a partir da prática artística e comunicativa. Também busca promover a circulação dessas narrativas e criações, através da coluna Vida da Gente.

Erguer a voz a partir de seu lugar no mundo é um ato de poder existir, se reconhecer e ser reconhecido. E o que as mulheres em situação prisional tem a nos dizer? A nos mostrar? Fique de olho!

Notas

¹ O Fanzine, ou simplesmente zine, é uma publicação independente. Um zine é um veículo de comunicação (assim como o jornal, livro, revista, gibi, etc.) que pode assumir qualquer formato, abordar qualquer tema e ser publicado por qualquer pessoa, com os mais baixos recursos. Por isso, segue à risca o lema “faça você mesmo!”.

² Taisa Maria Laviani é fanzineira e educadora. Formada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista. Possui mestrado interdisciplinar em Artes, Urbanidades e Sustentabilidade pela Universidade Federal de São João del-Rei.

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