Em um pacato bairro da cidade de Barbacena, localiza-se o ateliê Fernando Ferro Arte, lugar onde as obras do artista são a expressão maior de sua liberdade

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Fernando com uma de suas peças favoritas, a Bastarda. FOTO/VAN: Rachel dos Santos.

Em uma noite qualquer, meu irmão e eu caminhávamos tranquilamente para  nossa casa, quando, de repente, aconteceu algo que transformou aquele momento simplesmente em uma noite incrível. Deparamo-nos com uma galeria repleta principalmente de armas medievais e várias outras obras de arte esculpidas em ferro, todas riquíssimas em detalhes e escandalosamente beirando à perfeição.

Ficamos ali, diante da vitrine por alguns minutos, maravilhados, tentando tirar algumas fotos e, repentinamente, alguém aparece, abre a porta e nos convida a entrar. Começa, então, uma viagem no tempo, em um lugar que nos permitiu viver alguns minutos além da nossa realidade. Entre a Torre Eiffel e os belos instrumentos da guerra medieval, entramos no mundo Fernando Ferro Arte.

Fernando Ferreira Alves é o nome do artista plástico nascido no dia 23 de julho de 1961, na cidade de Barbacena, onde vive até hoje. Por ironia do destino, ou não, o sobrenome do artista diz muito sobre ele. Ferreira, lugar onde há ferro, jazida, mina, ou simplesmente ferreiro. “Eu não decidi me tornar artista plástico, eu nasci artista”, afirma Fernando.

Fernando, o artista de ferro, nasceu durante a ditadura militar. Talvez por isso, a liberdade de expressão tenha se tornado o bem que ele mais preza e demonstra em sua arte. Apesar de não ter muitas lembranças dessa época, por ser ainda muito novo, disse sentir-se como o pequeno Giosué, personagem do filme A vida é bela.

Por ser filho de um judeu, Giosué é levado para o campo de concentração com o pai, que faz de tudo para que o filho não perceba o que estava acontecendo de fato. Fernando passou por uma situação similar, sem compreender, pois foi poupado pelos pais. Acha um absurdo o que ocorreu no nosso país naquele tempo e fica indignado por saber que ainda hoje há pessoas que querem a volta da ditadura.

Preferiu demonstrar seu talento pela arte. Para ele, isso era uma boa forma de chamar a atenção das meninas, o que, às vezes, funcionava, declara sorrindo.  Fernando frequentou a escola somente até a sétima série do ensino fundamental. Desistiu de obter diploma – para ele, não há como se formar em algo que exige constante aprendizado.

Autodidata na arte de desenhar e esculpir, considera-se um eterno aprendiz. Como deixou a escola muito cedo para suprir as necessidades básicas, decidiu usar o dom que lhe foi dado por Deus, segundo ele, para sobreviver, apesar de não crer em Deus da mesma forma que a maioria das pessoas acreditam.  
Costuma dizer que a principal matéria-prima utilizada é a mente e a vida em harmonia total. Em suas mãos, materiais como ferro, madeira e muitas coisas que são descartadas pela sociedade são transformados em arte. Se fosse presidente, decretaria uma lei para punir quem jogasse lixo na rua, pois considera uma atrocidade uma pessoa sujar o lugar em que vive. Parafraseia Descartes e vai um pouco além: “Penso, logo existo. Se existo, faço. Aceito? Não. Questiono”, afirma Fernando.

Para ele, arte significa vida. Significa romper fronteiras, liberdade de expressão. Significa Deus, não no sentido religioso, mas de superioridade. Arte é tudo, é o que ele vive e respira. Um minuto de silêncio paira no ar quando questionado sobre sua obra favorita, aquela que lhe dá mais orgulho. Com as lágrimas caindo, responde: “minhas maiores obras de arte são meus filhos”, declara.

Atualmente, Fernando está escrevendo um livro sobre sua vida, “mas só irá ser publicado depois que eu morrer, senão vão me matar”, conta sorrindo. O ateliê onde exerce sua arte chama-se Fernando Ferro Arte e está localizado na Rua Joaquim Carvalho Campos, número 1.915, no bairro Ipanema, em Barbacena. Para quem gosta de arte e de boas histórias, eis aí um ótimo lugar para visitar…

TEXTO/VAN: Rachel dos Santos.

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