“São as coisas que mais amamos que nos destroem.”

Por Késsia Carolaine

O novo filme do mundo distópico de Jogos Vorazes, é uma adaptação do livro “Cantiga dos pássaros e das serpentes”, que nos leva vinte anos antes de conhecermos Katniss Everdeen. Coriolanus Snow, no auge dos seus dezoito anos, já lida com a responsabilidade de prover um teto e comida para sua família, que é constituída por sua avó e sua prima Tigris Snow. Com a décima edição dos jogos prestes a ter início, Snow enxerga uma oportunidade de se destacar entre seus colegas e, assim, ser agraciado com um prêmio. Porém, com uma pequena mudança nos planos futuros, Snow sente seus anseios escorrerem pelas suas mãos…

Quando decidimos revisitar o passado de um vilão sádico e cruel, como o Presidente Snow, há algumas preocupações e riscos. Em produções com abordagens onde os vilões têm sido cada vez mais humanizados, é bem difícil ver diretores e escritores explorarem a maldade e crueldade de forma meticulosa e que não acabe levando a uma “desculpa” para as atrocidades das quais esses vilões são capazes de fazer.  A jornada de Snow neste filme é perceptível nas diversas nuances e complexidades do personagem. Não fica claro se ele toma algumas atitudes por ter afeto pela pessoa de Lucy Gray ou se só está manipulando todos ao seu redor para obter poder. Uma coisa que sempre me fascinou na construção de alguns personagens é como alguns deles não se limitam ao bem e mal; oito ou oitenta; preto no branco. Há algo intrigante em personagens “cinzentos” e é nesta área que Coriolanus Snow está circundando aqui, neste filme.

Já Lucy Gray, talvez, seja mais fácil de ser interpretada. Uma menina do Distrito Doze que teve o azar de ser escolhida para a décima edição dos jogos. Desde a cena em que é introduzida, Lucy, com suas roupas coloridas e um talento e paixão por música, fica claro que a personagem tem uma personalidade forte e até cativante. Mas, no decorrer dos acontecimentos e de sua proximidade com Snow, suas ações e principalmente falas, nos deixam intrigados se ela sente algum tipo de afeto por ele, ou só quer sair viva daquela arena. 

Se tem algo brilhante que Collins faz, é debater sobre a desigualdade social em suas obras. Talvez seja aqui a grande façanha do longa. Por ser de um universo já consolidado, é esperado que haja uma abordagem mais explícita dos problemas sociais. Não é o que acontece aqui, já que é através dos diálogos onde isto é mais perceptível, além de pequenos momentos onde a desigualdade e problemas coletivos possam ser observados. O que me leva para outro ponto positivo do filme.

Os dois primeiros atos são cheios de acontecimentos emblemáticos, trazendo um ritmo mais acelerado para o filme. Sendo assim, somos levados para momentos onde Snow usa seu charme, sua inteligência e audácia para manter Lucy Gray viva. E, em outros momentos, somos imersos em cenas violentas e desesperadoras dos tributos lutando pela própria vida na arena dos jogos. Esta dualidade de trocas de ambientes deixa o filme mais dinâmico. O que não acontece no terceiro e último ato, já que há uma lentidão de acontecimentos. Mas, por outro lado, é onde fica mais do que óbvio a mudança do protagonista e, assim, podemos ver Coriolanus Snow se transformar em Presidente Snow, com todo seu ódio e desprezo que futuramente iria se tornar o tirano de Panem.

Com algumas referências aos filmes anteriores, “A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes” consegue, de maneira satisfatória, nos mostrar o passado do Presidente Snow, a crueldade dos jogos e em como o sistema é alimentado por pessoas sádicas, que sentem prazer em ver indivíduos lutando pela própria vida seja na arena ou nos distritos.