Por Clarice Muscalu

Revisado por: Samantha Souza

            Era um dia de quinta chuvoso. Não bastasse o céu nublado, a semana parecia interminável. A roupa colorida e florida disfarçava a solidão enquanto caminhava pela avenida que, estranhamente, estava mais vazia do que nunca. Tudo parecia funcionar em uma constante harmonia: aquele céu que trovejava, a dor no calcanhar de tanto andar, a lágrima escorrendo pelo rosto inexpressivo. Lembrou de quando Elza Soares cantou “Meu choro não é nada além de carnaval”; e se imaginar como a mulher do fim do mundo, por mais que melancólico, trouxe um pouco de paz e acalento para aquele frágil coração, porque sabia que outras também se sentiam assim. Sua solidão era compartilhada e, acima de tudo, compreendida.

            “A multidão avança como um vendaval, me joga na avenida que não sei qual é” continua a melodia em sua cabeça. Muitos passaram por ela naquele dia. Muitos tentaram beijar sua mão e muitas outras partes de seu corpo, sem consentimento, mas aquela dor não lhe abalou. Nada consegue abalar uma alma que já se perdeu, nem mesmo a inconveniência de terceiros. Certo que muitas mulheres entenderiam tudo, mas é quase certo, também, que talvez não ajudasse em nada.

            A avenida parecia estática. O tempo passava enquanto cantarolava a música em sua cabeça e suas pernas caminhavam, mas tudo à sua volta se tornava insignificante. Só conseguia pensar em como se sentia incompleta, em como sua vidinha miserável, sem um puto no bolso, se tornava cada vez mais descartável. Das poucas lembranças que guardava com carinho, vinha sempre a voz de sua avó: – “O que te quebrou, minha filha?”. A resposta nem ela sabia. Pensava que já tinha nascido quebrada, que o “quebrado” precedia sua existência neste mundo.

            Foi então que o barulho de uma buzina e a luz forte do farol de um carro lhe chamaram a atenção:

– Olha onde anda, moça!

            Se imaginou como Macabéa. Por pouco não foi atropelada e, mais uma vez, não foi o suficiente para lhe abalar. Infinitos boletos não pagos em cima do balcão da cozinha, uma casa caindo aos pedaços, um ex-marido abusivo que não pagava pensão e um trabalho como garçonete em um bar de esquina já cumpriam esse papel. Porque pras mulheres do fim do mundo é assim mesmo, a vida já vem quebrada, sem a possibilidade de pedir socorro.

Saiu naquele dia de quinta com a esperança de encontrar algo pelo qual valesse a pena viver. Não encontrou. Mas, como todas as mulheres do fim do mundo, segue caminhando e lutando, procurando motivos pelos quais deve cantar até o fim.

            Chegando em casa, ouvia a voz de Elsa ecoando em sua cabeça: – “Me deixem cantar até o fim”.