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ARTIGO: Reflexões para uma web melhor, inclusiva e cidadã

Com pouco mais de três décadas, a web já promoveu profundas transformações no mundo, renovando a forma de se comunicar, trabalhar, relacionar e empreender, mudanças que acontecem a cada vez em maior velocidade e em menor período de tempo.

Nesse cenário, há graves problemas a serem debatidos e combatidos, tanto os que existem em decorrência da má ou inadequada utilização pelas pessoas como aqueles decorrentes da não utilização, pelos chamados excluídos digitais. É possível verificar a importância do assunto, e os desafios que ele impõe, analisando-se algumas iniciativas empreendidas, sejam elas globais, nacionais ou locais, que têm em comum o objetivo de tornar a web, de fato, um ambiente onde impere a positividade, a inclusão e a cidadania.

Mas qual seria um ponto de partida?

Um deles, que é global e conta com a adesão do Comitê Gestor da Internet do Brasil (CGI.br) é a proposta de ação denominada Um Contrato para a Web (A Contract for the Web), lançada por Sir Tim Berners-Lee (1955), por meio da Fundação Web (World Wide Web Foundation), que criou há cerca de dez anos. Físico britânico, cientista da computação e professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), Berners-Lee é considerado o “pai” da World Wide Web – “w” triplos que muitos digitam e talvez nem todos saibam a sua história.

Um Contrato para a Web, que traz o slogan “tornar o mundo online seguro e acessível a qualquer um”, estimula a reflexão sobre como a web tem modificado o mundo e exige dos governos, das empresas e dos indivíduos o compromisso de agir para fazer da web um ambiente melhor, que beneficie toda a humanidade. No Contrato, Berners-Lee cita três principais fontes de disfunção na web atual: 

  • Intenções maliciosas e deliberadas, como invasões e ataques patrocinados pelo Estado, comportamento criminoso e assédio on-line;
  • Design de sistemas que criam incentivos perversos em que o valor do usuário é sacrificado, como modelos de receita baseados em anúncios que recompensam comercialmente o “caça-clique” e a disseminação viral da desinformação.
  • Consequências negativas não intencionais do design benevolente, como o tom ultrajado e polarizado e a qualidade do discurso on-line.

Disseminada por meio da hashtag #ForTheWeb, em 2018, a proposta vem obtendo a adesão de governos, empresas e cidadãos para uma atuação conjunta e já conta com o apoio de cerca de 160 organizações parceiras, em 70 países. Para 2022, a Fundação Web e seus atuais 30 membros planejam promover a igualdade digital em todo o mundo.

A proposta é significativa e merece reconhecimento e, ainda que não agregue todos os países em seu “contrato”, mobiliza parte deles em direção a estratégias que permitem tanto o melhor uso da web como delinear preventivamente os impactos da inevitável continuidade evolutiva do ambiente digital.

Uma ação global como essa será suficiente?

Infelizmente, a iniciativa pode não alcançar toda a abrangência mais urgente que a situação requer.

Uma outra frente relevante e necessária, a ser emergencialmente aberta, é a de formação das crianças e dos jovens, no sentido de promover e aprimorar o seu conhecimento, a sua capacidade de crítica, o uso de valores éticos e de bons comportamentos sociais nas suas vivências e interações junto à web e, de forma sinérgica, junto àqueles que nela já se encontram mais submersos.

Pode-se exemplificar essa preocupação brasileira com a terceira edição do “Ciclo Cultura, Educação e Tecnologias em Debate”, ocorrida em setembro deste ano, na qual o CGI.br debateu a alfabetização para a cidadania digital e lançou as importantes pesquisas TIC Educação 2018 e TIC Kids Online Brasil 2018, realizadas pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br).

De acordo com informações do Cetic.br, a relevância das pesquisas sobre o acesso e uso das TIC reside no subsídio que oferecem para iniciativas voltadas ao uso crítico e responsável da internet. Elas são vitais para que, além do amplo acesso à informação, seja formada uma postura crítica com as informações acessadas online, ou seja, alfabetizar digitalmente a sociedade.

Para a instituição, segundo o propósito de promoção do uso aberto, inclusivo e seguro da internet, a alfabetização digital e a educação para a cidadania digital permitiriam o uso seguro e responsável pelas crianças, desenvolvendo nelas competências técnicas e habilidades para a compreensão crítica do conteúdo e das oportunidades e riscos no ambiente online.

E mesmo assim, restam outros desafios!

Em várias partes do país, a efetiva alfabetização e educação para a cidadania digital ainda se encontra em alto grau de precariedade ou, até mesmo, de ausência do acesso à internet.

A disparidade é gritante entre as regiões brasileiras. Em algumas, nos grandes centros, os cidadãos acompanham a competição pelo mercado 5G brasileiro, entre Estados Unidos e China. Em outras, no interior do país, um imenso esforço tem que ser despendido por uma comunidade, e com apoio de instituições não governamentais inclusive, para se conquistar uma  primeira (e modesta) instalação de um sistema 3G. Esta situação corresponde a uma das histórias retratadas no documentário FreeNet? (Pedro Ekman, 2016), uma produção que questiona a liberdade na internet e poderia ser também um ótimo ponto de partida para se debater políticas públicas para o ambiente digital.

Ainda no sentido da inclusão digital, pode-se destacar o capítulo brasileiro da Internet Society (ISOC) – associação internacional sem fins lucrativos criada em 1992 -, cuja proposta “Desenvolvendo rede de comunidades na região norte do Brasil” foi um dos 15 selecionados entre 49 concorrentes, em 2018, pelo projeto Beyond the NET Grants, cuja missão é fortalecer comunidades locais em todo o mundo. As propostas escolhidas devem comungar a finalidade do projeto, propiciando a interação com governos, empresas e entidades para adoção de políticas em relação à internet coincidentes com os princípios de rede aberta e universalmente acessível, ao lado do apoio à inovação, à criatividade e às oportunidades comerciais.

Acima de tudo, e o quanto antes, é preciso ampliar os debates e definir políticas públicas claras e crescentes, para tanto reduzir as distâncias geográficas que ainda cerceiam o acesso à internet como implementar uma efetiva cidadania digital sem qualquer distinção de perfis demográficos, e priorizar, a curto prazo, a implementação de uma sólida política de formação digital de nossas crianças e jovens.

E você, conhece outras ideias para promover a inclusão, alfabetização e cidadania digital?


Referências

Beyond the Net Grants. Disponível em: https://www.internetsociety.org/beyond-the-net/grants/. Acesso em: 22 nov. 2019.

Desenvolvendo rede de comunidades na região norte do Brasil. Disponível em: https://isoc.org.br/. Acesso em: 22 nov. 2019.

Digital Equality #ForEveryone | Web Foundation. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Y6F8__Qa0mU. Acesso em: 22 nov. 2019.

Documentário FreeNet?. Disponível em: https://libreflix.org/i/freenet. Acesso em: 22 nov. 2019.

Internet Society. Disponível em: https://isoc.org.br/. Acesso em: 22 nov. 2019.

Publicações do Cetic.br são lançadas em encontro do Ciclo Cultura, Educação e Tecnologias em Debate. Disponível em: https://www.cgi.br/noticia/notas/publicacoes-do-cetic-br-sao-lancadas-em-encontro-do-ciclo-cultura-educacao-e-tecnologias-em-debate/. Acesso em: 22 nov. 2019.

World Wide Web Foundation. Disponível em: https://webfoundation.org/. Acesso em 22 nov. 2019. 

Texto: Lorene Souza
Supervisão: Profa. Alessandra de Falco

Arte de destaque: Ícaro Chaves