Um bom motivo para estar longe de casa
A experiência fora do âmbito familiar possui condições ambíguas que implicam mudanças tanto para os estudantes, quanto para a cidade que os recebe. Confira na reportagem abaixo:
Arthur Raposo Gomes, Isadora Rufo,
Juliana Paravizo Mira e Pedro Lago
Em 2018, a Universidade Federal de São João del Rei (UFSJ) completou seu trigésimo primeiro aniversário. Durante esse tempo, a instituição passou por importantes transformações que influenciaram na sua reestruturação como organização de ensino público e agente social.
Algumas iniciativas, como por exemplo, a elaboração do Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), desenvolvido pelo Ministério da Educação (MEC) tinha entre suas principais vertentes, programas como o REUNI que, valorizavam o fortalecimento e a interiorização do ensino público, além da ampliação das condições de acesso e permanência oferecidas aos estudantes.
Diante desse novo cenário, a UFSJ sofreu um processo de crescimento significativo. Entre 2006 e 2009, a Universidade atendia cerca de 3.573 alunos. Atualmente, possui campi também em Ouro Branco, Divinópolis e Sete Lagoas, contando com aproximadamente 11.289 estudantes, sendo 6.983 somente em São João del Rei.
Entre os alunos do campus Sede está, Victor Hugo Teixeira, 21, estudante do sexto período de Engenharia de Produção e natural de Campo Belo, sul de Minas Gerais. O jovem lembra que a princípio sua ideia era estudar em Belo Horizonte, mas sua nota não foi suficiente para pleitear uma vaga na capital mineira. Graças à unificação do vestibular, por meio do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), Victor pôde continuar na disputa e emplacou uma cadeira no curso desejado.
Victor Hugo conta sobre a sua experiência ao vir para São João del Rei e comenta sobre as ambiguidades de morar sozinho. (Foto: Isadora Rufo)
“Quando cheguei, eu não conhecia nada, na raça, acabou dando tudo certo, inclusive, fui surpreendido pela vinda de outros amigos para a UFSJ”, disse. O estudante conta que a experiência tem agregado muito para a sua formação pessoal, segundo ele, estar em outro lugar com pessoas diferentes serviu para ampliar a sua perspectiva sobre a vida e de como lidar com ela, “Campo Belo era uma cidade menor, eu vivia meio que numa ‘bolha social’, já aqui, eu tive a oportunidade de ter acesso e a conviver com outras culturas e costumes”.
O estudante de engenharia de produção contou que a priori, morava numa república, na qual dividia as despesas com outras duas pessoas. Para o jovem, a experiência foi interessante, mas não durou muito tempo. Após um ano, Victor Hugo resolveu morar sozinho e decidiu que era hora de se mudar. “Eu me sinto muito bem assim. Tenho uma forma particular de encarar as coisas e também gosto da liberdade, morar sozinho me proporcionou mais espaço e autonomia”. No que se refere aos custos, o jovem comentou que as despesas aumentaram cerca de 130% em relação ao que gastava no início da faculdade, fato inclusive, que o tem feito pensar na possibilidade de se mudar para um local mais econômico.
Se para uns essa é uma opção, para outros, isso nem passa pela cabeça. Como é o caso de Igor Moraes, 23. Depois de viajar todos os dias de Barbacena para São João del Rei durante o primeiro semestre letivo, o então estudante de Gestão de Tecnologia de Informação, no IF Sudeste MG – Campus São João del Rei, concluiu que não pretendia ficar em sua cidade natal depois de se formar. O jovem comentou que seu principal objetivo era se adaptar com o fato de estar longe de casa. “Como São João del Rei é perto, acabou me oferecendo uma ótima transição”. Apesar de estar a cerca de 60 quilômetros da casa dos pais, ele confessa que já precisou ficar dois meses sem visitá-los, e quando questionado sobre o que mais sente falta da época que morava com sua família, ele admite: “Na verdade, eu sinto saudade de tudo”.
Em dezembro de 2017, Igor concluiu o seu curso de graduação e voltou para a casa dos pais. O retorno, no entanto, não durou muito tempo. Em agosto desse ano, ele foi aprovado no processo seletivo do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Computação da UFSJ e retornou para a mesma república que havia residido anteriormente. Ele revela que o que motivou, foi o fato de acreditar que ali, havia sido feitas grande amizades e tido um aprendizado que levará para a vida toda. “Quando eu ingressei no mestrado aqui em São João del-Rei, senti que o objetivo da minha entrada (na república) ainda não tinha sido concluído”, ressaltou.
Ao ser questionado sobre as coisas que aprendeu durante a sua passagem pelo local, Igor não titubeou, “seguimos um sistema hierárquico, por tempo de república, e por ele, aprendemos valiosas lições de respeito e gestão de pessoas. Não no sentido de abaixar a cabeça para qualquer coisa que um veterano fala, mas sim, no sentido, de saber falar e ouvir”. O mestrando destacou que “além da complexidade em manter uma república tradicional durante tanto tempo ativa, realizar eventos de grande porte e administrar uma cervejaria, demandam muita responsabilidade de cada um dos moradores”.
Além de dividir as despesas da casa, Igor (no centro direito da foto, usando camisa xadrez verde) e seus colegas de república compartilham outras responsabilidades, como a promoção de eventos e a gestão de uma cervejaria. (Foto: Arquivo pessoal)
A república de Igor faz parte de uma associação, a RUA, organizada pelos próprios jovens que perceberam a necessidade de criar um projeto, que pudesse unir as repúblicas e representá-los em suas respectivas demandas. A RUA, Repúblicas Unidas Associadas, tem um total de setenta e seis repúblicas, das quais quarenta e três são masculinas e trinta femininas. A localização da maioria se encontra entre os bairros Centro e Tijuco.
A professora do curso de Economia, Aline Cruz, participou de estudos recentes sobre o perfil socioeconômico dos discentes da UFSJ que moram em repúblicas universitárias. Confira abaixo, uma entrevista com a professora e clique no link para acessar mais informações sobre os gastos dos republicanos.
Entre as justificativas para residir em repúblicas mais recorrentes durante a pesquisa estão a proximidade com a UFSJ, os amigos e o baixo valor de aluguel. Apenas 5,75% desses entrevistados possuem emprego fixo e 64,85% custeiam suas despesas financeiras através de mesadas enviadas por familiares.
Morar longe de casa não é privilégio, é direito
Moradia estudantil da UFSJ é instalada no CTAN e dividida em apartamentos. (Foto: Arthur Raposo Gomes)
A moradia estudantil, faz parte do Programa Nacional de Assistência Estudantil e surge como uma alternativa para os discentes em primeira graduação, cuja a situação socioeconômica pode comprometer ou, até mesmo, impedir a permanência na instituição.
De acordo com a Resolução n 15, de 9 de junho de 2014, o local tem por finalidade garantir à habitação ao estudante, promovendo condições dignas para uma formação pessoal, de consciência social e profissional.
Atualmente, a moradia abriga 51 moradores, sendo 32 homens e 19 mulheres, vindos de diversas regiões do país, confira:
Entre os estudantes encontramos Raruza Keara, 28, graduanda em Teatro – curso lotado no Campus Tancredo Neves (CTAN). A jovem conta que pleiteou a vaga na moradia justamente pelas questões financeiras que poderiam comprometer os seus estudos.
A estudante confessa que “morar no campus em que estuda é bem vantajoso. Para sair (para festas), nem tanto”. Apesar disso, ela recomenda a moradia para os futuros universitários da UFSJ, “podem vir sem medo. A cidade é bem acolhedora e o pessoal da universidade também. Na moradia, o apartamento 419 é o melhor para se morar”, ela brinca.
É preciso se cuidar!
A entrada na universidade geralmente acompanha o ingresso do jovem na vida adulta, momento em que ele acredita ser obrigado a sair de casa e adentrar um mundo novo, no qual além da autonomia e das responsabilidades, ele também se coloca à frente das cobranças pessoais, dos familiares e da própria universidade. Concomitante a isso, fatores como a distância do ambiente parental, dos antigos amigos de escola, do lugar de infância, a perda das referências e a necessidade de pertencimento podem influenciar diretamente no bem estar da saúde mental dos estudantes.
Nesta nova fase, morando sozinho, ou entre amigos em uma república, é chegado o momento que a autonomia cobra os juros da responsabilidade. De uma hora para a outra, a fatura dos compromissos chega e o jovem precisa assumir o protagonismo da suas necessidades, sejam elas, lavar roupa, ir até o mercado, comprar um remédio, estudar para a prova ou pagar as próprias contas.
O estudante de Música Anderson Ferreira, 33, conta que a sua transferência de curso da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) para a UFSJ foi um momento difícil: “Me sentia pressionado, tanto pela questão financeira, quanto por motivos pessoais, familiares e acadêmicos. Eu não havia me adaptado às pessoas com quem morava aqui em São João del-Rei; meus pais estavam em processo de separação e eu ainda me cobrava muito. Me exigia ser o melhor e me preocupava sobre o que eu ia ser depois de formado”.
Após um período conturbado, Anderson percebeu que era preciso se cuidar. Hoje, o estudante ainda realiza acompanhamento psicológico regularmente e alerta que “sozinho, a gente, muitas vezes, não dá conta. Então é necessário não ter medo em procurar ajuda. Ver em você o que não está legal e falar”.
A psicóloga e professora aposentada, Ivanise Santos, chama a atenção para a importância do cuidado com a saúde mental dos alunos e para a responsabilidade atribuída às universidades no que diz respeito à garantia de condições que favoreçam a sua permanência na instituição, segundo ela, “precisam ser fornecidas e consolidadas formas de apoio, assessoria e atendimento”.
Pensando nisso, a UFSJ, por meio da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PROAE), oferece atendimento psicológico aos alunos, tanto na modalidade de plantão, quanto na modalidade de psicoterapia. A primeira acontece todas as quintas-feiras e o aluno pode se dirigir até o local sem agendamento prévio para conversar sobre o mal estar que o aflige naquele momento. Já na segunda modalidade, o estudante passa por um atendimento semanal que dura em média quatro ou cinco meses. Em 2017 foram registrados somente em São João del Rei cerca de 930 atendimentos, enquanto neste ano, até o mês de setembro, já foram contabilizados aproximadamente 1.186.
Para participar, os interessados podem procurar pelo plantão ou se dirigir à PROAE que, realizará o encaminhamento. A pró-reitoria está localizada no Campus Santo Antônio, na Praça Frei Orlando, número 170, no Centro da cidade.
A versão impressa dessa reportagem está disponível através do link.