Jornais murais se tornam patrimônio cultural de São João del-Rei

Após quase terem sido retirados do centro histórico pelo Conselho Municipal de Preservação e Patrimônio, os veículos tradicionais da cidade agora são protegidos por lei

Quem passa pelas ruas de São João del-Rei convive com a presença dos jornais murais em pontos importantes da cidade como a Prefeitura Municipal, Rodoviária e Avenida Tancredo Neves.

Moradora lê jornal mural (Foto: Elaine Maciel)

Os tradicionais jornais murais já fazem parte da rotina dos são-joanenses e por isso a vereadora Lívia Guimarães (PT) sentiu a necessidade de criar uma lei que os protegessem e mantivesse o trabalho na cidade.

Segundo a vereadora e também jornalista, em 2017, o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio emitiu uma ordem de retirada dos jornais murais do centro histórico, então, para impedir essa ação surgiu a ideia de transformar os murais também em patrimônio.

Câmara Municipal de SJDR (Foto: Ana Resende Quadros)

Durante o processo de criação da lei, o Conselho Municipal posicionou-se afirmando que não é função da Câmara Municipal tombar patrimônios.

Para a vereadora, a proteção é importante porque a tradição de jornais de murais é peculiar e garante à população acesso à informação. Ela cita que muitas pessoas, principalmente da zona rural, leem os jornais murais quando chegam ao perímetro urbano. O jornais murais também possibilitam a pluralidade de vozes e a produção de conteúdo local.

A lei foi aprovada pela Câmara Municipal de Vereadores no dia 10 de Abril de 2018, com apenas uma abstenção do vereador Professor Leonardo (PSDB). O tombamento não interfere no conteúdo do que é produzido, mas reconhece o valor histórico e cultural da cidade. A lei também resguarda futuros jornais que possam surgir.

A população, além de acompanhar, também defende a permanência dos jornais e a importância deles, como é o caso dos moradores entrevistados no podcast.

O Jornal do Poste

O Jornal do Poste é o mais famoso dos seis jornais murais de São João. A publicação é tão popular que alguns são-joanenses acabaram por apelidar todos os periódicos nesse formato de jornal do poste.

Uma das edições do Jornal do Poste feita por Joanino Lobosque (Foto: Ana Resende Quadros)

A história mais difundida é que tudo começou em 1958 com João Lobosque Neto, mais conhecido como Joanino Lobosque. A verdade, porém, é que Joanino se inspirou na filha de imigrantes italianos, Adelina Corrotti, que pregava  crônicas e notícias escritas por ela nos postes de luz da cidade.

“Ela ficava de sombrinha nas esquinas observando, porque aquilo que ela escrevia desagradava as pessoas e principalmente os políticos. Essas pessoas iam arrancar aquilo que estava escrito no jornal do poste e ela ia de sombrinha em punho atrás dessa pessoa que arrancava o escrito dela”, conta a pesquisadora do Jornal do Poste e professora da UFSJ, Eliana Tolentino.

Inspirado pela ideia de Adelina, Joanino começou a transcrever as notícias que ouvia à noite no rádio e pregar o que escrevia no seu bar, o Bife de Ouro. Com o passar do tempo, as pessoas começaram a ir mais ao bar para saber das notícias do que para comer o prato principal da casa: o bife acebolado.

Com o sucesso, Joanino começou a colocar o jornal em outros pontos da cidade. Se antes ele manuscrevia suas notícias em letra de imprensa, nesse momento ele passa a usar uma máquina de escrever com folhas separadas por carbono para datilografar várias cópias ao mesmo tempo.

Diferente do corpo dos textos, os títulos continuaram a ser escritos à mão. “As manchetes eram escritas com canetas coloridas da Pilot. Isso é interessante porque a manchete já te direciona para uma leitura da notícia”, afirma Eliana.

Jornal do Poste no mural da Rodoviária Velha (Foto: Elaine Maciel)

Hoje em dia, o Jornal do Poste é redigido por Cláudio Monteiro, filho de Firmino Monteiro, antigo colega de Joanino que herdou o jornal. Sessenta anos depois de sua fundação, as notícias ainda são retiradas de outros veículos de comunicação e apenas adaptadas para ocupar as cinco folhas longas que são pregadas semanalmente no mural.

Mas o Jornal do Poste também tem conteúdo original. Eliana conta que em alguns períodos ele chegou a ter até seções de literatura que divulgavam textos de autores locais. E foi justamente o jornalismo misturado à literatura que rendeu à publicação um Prêmio Esso, um dos mais importantes do jornalismo. Na reportagem premiada, Joanino contava a história real de um gavião que perseguia uma pomba e acabou morrendo ao bater em um para-raio.

Nas seis décadas de sua existência, o Jornal do Poste estabeleceu um estilo que hoje é usado por outras seis publicações na cidade. Sua influência chegou até nas cidades vizinhas de Barroso e Barbacena. Em um tempo em que o jornal impresso perde o interesse do público, o Jornal do Poste e os outros murais conseguem que as pessoas venham até eles.

“Não é um jornal que chega até as pessoas via correio, via entregador, ou que as pessoas vão até um lugar, uma banca, comprar. Ele fica naquele lugar fixo e as pessoas se aglomeram para ler aquela notícia”, explica a pesquisadora.

Confira mais da entrevista com a professora Eliana Tolentino no vídeo abaixo:

Tradição na cidade

Atualmente, são sete jornais murais em São João del-Rei: Jornal do Poste, Jornal O Progresso, Aliança Diário, Nova Geração, Notícias do Vale do Lenheiro, Jornal O Folhão e Cidade dos Sinos.

Linha do tempo dos jornais murais (Arte: Elaine Maciel)

Todos os jornais murais são registrados como veículos de imprensa e com alvará de funcionamento.

José Luiz Ferreira, responsável pelo jornal mural O Folhão, explica que o conteúdo da maioria dos murais é, em média, 60% de conteúdo jornalístico e 40% de propagandas institucionais – normalmente de órgãos oficiais e editais.

“Nós não temos como medir, mas sabemos que ele é lido diariamente por muita gente e que muitas dessas pessoas só têm acesso à informação por esse meio”, conta.

José Luiz Ferreira, editor e redator do Folhão (Foto: Ana Resende Quadros)

Há apenas três meses, o jornal mural Nova Geração começou a ser produzido. Inspirado pelos jornais murais tradicionais da cidade, esse veículo é redigido por Isabela de Cassia Evangelista Fernandes, de 21 anos.

Segundo a responsável, o objetivo é quebrar padrões: “Temos abordado temas para a melhoria de São João, mas também fatos impactantes que a sociedade tem preconceito”, conta a jovem.

Ainda de acordo com Isabela, o mural não deixa de abordar temas tradicionais na cidade. “Costumo publicar propaganda dos comércios e também um pouco sobre religião”, explica.

O interesse das novas gerações por manter a tradição dos murais é percebida também pelo redator do jornal mural O Folhão, José Luiz Ferreira: “Pra gente foi uma surpresa muito positiva, a aprovação desse segmento [jovem]. A gente não é deixado de lado. As novas gerações estão nos dando um recado: podemos continuar”, afirma.

Repórteres: Ana Resende Quadros, Elaine Maciel e Isabella Sales
Editores-Adjuntos: Arthur Raposo Gomes, Clara Rosa e Juliana Galhardo
Editora-Chefe: Profa. Najla Passos