Ela é negra
Menina nascida em família mestiça, primeira coisa que escuta “nossa, podia ter puxado o cabelo da mãe!”, mesmo que fosse o bebê com o little black mais bonito da maternidade. Esse foi seu primeiro contato com o racismo velado, mesmo sem nem ela, nem a mãe branca, saberem o que era racismo de perto antes. Isso é porque os amigos da família são pessoas ruins? Não, eles só estavam tão acostumados a reproduzirem um padrão que nem perceberam que aquela frase era uma violência aos ouvidos. Chega a idade de frequentar a escola, classe média e escola particular. Ali, tem início a campanha de todos para que a menina passasse o tal do alisante da moda no cabelo. Não vou falar que ela não quis ceder, porque quis sim. Todos os dias, fez pirraça, fez de um tudo, mas a mãe branca nunca deixou. A menina não sabia, mas a primeira lição de empoderamento que ela teve foi dentro de casa. Veio de uma pessoa que não tinha muito conhecimento em cultura afro-brasileira, mas a ensinou que ela era bonita, lhe ensinou militância.
A mãe aprendeu sobre fitagem e tranças, muito antes da menina sonhar com isso, mas a tempo suficiente de perguntarem para a mãe se a filha era adotada. Infelizmente nos colégios a maioria era branca, mesmo em uma das regiões mais pretas do Brasil. Aprendia-se sobre as referências culturais da região, mas as salas de aula não eram um exemplo muito bom de miscigenação. Ela cresceu, a sexualização da mulher negra a alcança antes mesmo de se ter o primeiro beijo. Na rua o assédio, “morena gostosa”, acontece antes de ter 13 anos. Ela ainda era criança.
Quando a família decidiu retornar ao sudeste, um amigo próximo da família falou sobre a preocupação com escola da menina, por estarem indo para um estado em que o racismo é maior e o acesso do negro era ainda menor. Ele estava certo, de quatro pretinhos por sala, passa-se a se ter um, dois. Naquele ano ela fez uma escova, não quis sair de casa com o cabelo daquele jeito, era feio, não era ela.
É difícil falar sobre identificação, mas acredito que todo negro sabe qual foi o momento em que ele se assume como tal e não tem medo de usar as palavras negro/preto. Começa a andar na rua livre. Sua autoestima foi e é uma conquista diária. Ela se descobriu negra aos 15, não que antes ela não soubesse que fosse, mas a identificação… essa demora, ainda mais quando não se tem muitos exemplos por perto. Dali para a frente ela desabrochou e o mais importante, ela começou a aprender a não subjugar sua força.
Com 18 anos recém-completos saiu de casa, o maior medo da mãe era o racismo na rua. Afinal de contas dentro de casa ela sempre vai proteger sua menina. Quando ela lhe contou o primeiro caso de racismo sofrido, escrachado, feito para machucar, a mãe pediu que ela voltasse e ela lhe contou de como levantou a cabeça e se defendeu. Essa é só mais uma história de empoderamento negro, talvez não esteja tão bom pelas partes que decidi não contar, já que a história e as marcas são minhas. Só lhe digo que a mãe tem muito orgulho das pretas (são duas) fortes que ela criou e as meninas mais ainda por não terem cedido a pressão de parecer brancas, afinal elas são negras.
Texto: Sarah Evelyn
Revisão: Julia Benatti e Lucas Porfírio