“De qualquer forma, não se torne um estranho.” Scott Street – Phoebe Bridgers

Por: Késsia Carolaine

Desço do ônibus já com aquela sensação que me traz a dualidade: eu me sinto em casa e ao mesmo tempo é um lugar completamente novo para mim. Atravesso a ponte e ouço o ranger do ferro que me leva há alguns anos atrás. Eu amava vir pra cá, seja sozinha ou acompanhada. Aquela avenida é muito especial para mim. Saindo do devaneio, percebo que estou chegando na esquina da rua onde a minha casa está, aquela sensação de conforto, alegria e paz me invade de imediato. É como se eu estivesse chegando na casa de minha avó, sendo recebida com um café quentinho e uma broa de fubá. 

Chegando em casa, a sensação de aconchego vai embora um pouco… Alguma coisa está diferente, será que mudaram as plantas do lugar? A horta está cheia de mato também; a cozinha está com utensílios novos. Quando vejo minha mãe no sofá, esses pensamentos inquietantes se dissipam da minha mente. Dou-lhe um abraço e batemos um papo de cinco minutinhos. Tenho que guardar minhas malas e de repente paro por um instante. Agora a casa tem dois quartos vazios, em qual deles devo dormir? Aquele que era dos meus irmãos ou aquele que sempre me acolheu, foi meu refúgio durante anos da minha vida? Decido ir para o quarto que era dos meus irmãos, já que está repaginado.

Na tarde do dia seguinte, decido dar uma volta pela cidade a pé. Coloco uma roupa confortável, pego meu telefone, meus fones de ouvido e saio de casa. No aplicativo de música, coloco no aleatório e por alguma coincidência, os primeiros acordes de Scott Street invadem meus ouvidos. “passando pela Rua Scott me sentindo como uma estranha…” Engraçado o que a nostalgia faz com as pessoas. Constantemente me pego relembrando as diversas vezes que eu brincava aqui, nesta rua, achando que meu joelho ralado era o fim do mundo. Ao crescer e nos darmos conta da vida adulta, um machucado físico não equivale a um por cento das dores e das percepções de estar crescendo. 

Voltando dos meus devaneios, me vejo quase no centro da cidade. Quantas memórias e cenas começaram a disparar na minha mente. Olho para o lado e vejo a biblioteca que eu tanto amava. Incontáveis horas que eu passava olhando livro por livro. Diversas idas naquele lugar para estudar para alguma prova ou fazer trabalhos escolares. Volto minha atenção para aquela praça e como se tivéssemos combinado, vejo minhas amigas de longa data chegando ali. Sabe aquela sensação de lar? Foi o sentimento que me invadiu quando as vi. 

“ Você sente vergonha quando escuta meu nome?”. É neste trecho que eu paro a música para começar a engatar uma conversa com minhas amigas. Engraçado, parece que a música está fazendo um paralelo com as coisas que estou vivendo hoje. Nos sentamos em um banco da praça e a conversa começa com aqueles clichês de “Como vai a vida em outra cidade?”, “E a faculdade como está indo?”. Até que em um certo momento, as conversas de praxe começam a se tornar perguntas do tipo: “Vocês se lembram quando a gente vai pra cá e ficávamos jogando conversa fora?, “Vocês se lembram daquela vez que…” Neste momento parece que estamos assistindo um filme mas nossas cabeças, cujas memórias são o plot da história. É, eu realmente senti falta delas. 

Depois de algumas horas revisitando nosso passado, decido dar continuidade à minha caminhada. Dou play na música novamente e deixo meus pensamentos irem longe, e quando volto para casa, passo por um caminho diferente. Me sinto uma intrusa nessa cidade. Tudo está diferente e ao mesmo tempo tudo está igual. A volta para a minha casa é cheia de turbulências na minha mente. Eu que sou uma pessoa que pensa demais e analisa demais as situações, não consigo compreender como essa dualidade pode existir. Um lugar que eu nasci, cresci e vivi por anos está igual e diferente? Isto é meio que impossível, não é? 

Chegando em casa, vou direto para o quarto que deixei minhas coisas. De repente sinto um clique na minha cabeça. Sim, esta cidade está igual e diferente ao mesmo tempo, mas uma coisa que mudou, tal qual as estações do ano, foi eu. Parece que vivi mais de cinco anos em apenas um. Que loucura! Apesar disso, das mudanças em mim, do futuro que me aguarda e do passado que deixei para trás, eu espero e desejo que uma coisa não mude… Que eu não me torne uma estranha.