Crônica em homenagem ao dia do Teatro

Palco A flor de Mancá, Teatro da Pedra - Foto: Lucas Almeida
Palco A flor de Mancá, Teatro da Pedra – Foto: Lucas Almeida

Aqui se dá o primeiro ato, ritmado pela dilatação do tempo: para quem observa só se passaram alguns minutos, quando para quem espera parece uma eternidade. Tudo começa com o barulho produzido pelos corpos impacientes no ato de aguardar, risadas e palavras soltas ocupam o espaço, mas a batida de pé daquele que veio sozinho também está presente, assim como os sussurros característicos dos casais. Ainda tem o carrinho de pipoca parado na calçada, com pequenas luzes e um cheiro que divide o ar com a trilha desarmônica.

Com um papel e outro em mãos, filas se formam. A arquitetura inicial se quebra: longas linhas, que me remetem ao pilar no quadro A coluna partida de Frida Kahlo se torna a fonte de ruídos e, com sofreguidão, ela atravessa um portal. Nos primeiros segundos, após a travessia e perda do papel, os pés, assim como as mãos, estão livres da obrigação anterior já não há linhas a serem formadas.

Um sinal corta o barulho constante e faz com que seja entendido: “Os corpos devem estar na sala”; logo depois, vem outro que grita: “ocupe o seu lugar” e, por fim, o terceiro, que marca o início do segundo ato, diz: “deposite aqui sua atenção”. Divididos por uma linha imaginária, mas com centímetros de distância, uma jornada começa. Corpos se afundam na cadeira, enquanto outro(s) se organiza(m) além da intocável linha. Linha que não se faz reta — é tortuosa, passível de alteração.

Outra vez acontece a dilatação do tempo, os segundos de silêncio absoluto, e os momentos de barulho passam de maneira diferente para cada um no interior deste prédio. Dentro do último ato mora a arte despida de efeitos e da repetição das telas. Cada cena é feita pela primeira vez naquele intervalo de tempo, cada ação se desdobra com uma nuance diferente das anteriores e, por mais que as palavras sejam as mesmas, o espetáculo em si nunca é.

Este texto não se enquadra como receita ou como relato da realidade. O fazer teatro é aberto, é livre de qualquer arquitetura, é o sentimento falado olho no olho, é a compreensão individual do silêncio coletivo. Não existe prédio ou rua que o contenha, não existe forma correta de expor o que se esconde no íntimo do ator, diretor e dramaturgo. A única certeza se dá que ser algum sairá de um espetáculo da mesma forma que entrou.

TEXTO/VAN: Lucas Comine

Deixe comentário

Seu endereço de e-mail não será publicado. Os campos necessários são marcados com *.

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.