O Córrego do Lenheiro, que corta o centro histórico, é o destino de praticamente todo o esgoto da cidade e de lixo doméstico, o que causa mau cheiro e risco à saúde dos moradores

 

Fim de tarde em São João del-Rei. A chuva forte molha a cidade, refrescando o dia ensolarado. No alto do bairro Bonfim, o curso da água cai sobre os morros e se espalha através dos vales. A alguns quilômetros dali, o aterro sanitário está cheio. A água que atinge os aclives entra em  contato com os resíduos e o chorume. A substância líquida, formada pela decomposição do lixo, não somente atinge o solo do aterro, como é levada junto com a chuva a nascentes próximas. Dos lugares mais altos da cidade, a enxurrada leva também os lixos domésticos encontrados no caminho. O destino final é a antiga praia são-joanense.

A qualidade da água do Córrego do Lenheiro é comprometida, principalmente, por esgoto doméstico e lixo. Por isso, é importante que todas as residências tenham suas próprias redes de esgoto e que todo o lixo tenha seu destino final em um aterro regularizado para que não agrida o meio ambiente. Em São João del-Rei, nenhuma das condições citadas são  atendidas de fato.

O professor do Departamento de Geociências da Universidade Federal de São João del-Rei, Múcio do Amaral Figueiredo, faz parte de uma equipe de professores que realizou, em 2013, os Planos Municipais de Saneamento Básico dos municípios associados do Campo das Vertentes. Ele conta que o sistema de aterro controlado na cidade traz diversos problemas, tanto pelo acúmulo de lixos, quanto para a qualidade da água.

“As valas são abertas no solo, onde os resíduos sólidos urbanos são jogados e, quando cheias, são cobertas com solo, e novas valas (ou trincheiras) são abertas para o mesmo procedimento. O chorume (substância líquida decorrente da putrefação de matérias orgânicas) produzido no local é altamente tóxico, com diversas substâncias contaminantes. Seu contato com os rios e córregos ou com o manancial hídrico subterrâneo é danoso à saúde humana e à natureza em geral”, afirma.

__O aterro sanitário de São João del-Rei é moradia para animais abandonados. Foto por Mike Tavares
O aterro sanitário de São João del-Rei é abrigo para animais abandonados. –  Foto/Dobras e Sobras: Mike Tavares

Situação precária

O professor Múcio explica que existem meios de diminuir o impacto do chorume, porém, no aterro da cidade, nenhuma das precauções foram tomadas. “A estrutura de um aterro sanitário prevê diversas especificações técnicas que dificultam bastante a contaminação/poluição do ambiente do entorno. Como exemplo, os fundos e as laterais do aterro deverão ser impermeabilizados com manta geotêxtil, específica para tal fim, ou com argila compactada, a fim de impedir a infiltração do chorume, que deve ser drenado para uma lagoa de decantação, onde o lodo produzido no fundo possa ser coletado, seco e depositado em local definitivo. Depois de seco, seu efeito contaminante é bastante diminuído”, explica.

A questão do lixo em São João não gera preocupação apenas para o futuro. Vera Souza, moradora da cidade, sabe como a situação atual é precária. Segundo ela, a companhia de coleta não tem hora fixa para passar, e o material acumulado na calçada acaba virando distração para os animais. “Os moradores não contribuem com a limpeza urbana e acabam jogando os rejeitos debaixo da ponte. Eu já fiz reclamação ao Damae [Departamento Autônomo Municipal de Água e Esgoto] sobre o esgoto a céu aberto, mas nunca fui atendida”, relata. Esse esgoto deságua e polui o Córrego do Lenheiro, o principal da cidade, importante para sua formação e desenvolvimento.

__Funcionário da empresa de coleta de lixo de São João del-Rei fotografado em dia de trabalho. Foto por Lucas Di Capri
Funcionário da empresa de coleta de lixo de São João del-Rei fotografado em dia de trabalho. – Foto/Dobras e Sobras: Lucas Di Capri

Vamos a la playa?

IMAGENS HISTÓRICAS DO CÓRREGO DO LENHEIRO/ FOTO: ACERVO MUSEU REGIONAL DE SÃO JOÃO DEL-REI E SÃO JOÃO DEL-REI TRANSPARENTE

 

Quem olha hoje para as águas sujas no leito canalizado do córrego que corta o centro de São João del-Rei, não imagina que o lugar já foi um dia considerado a praia da cidade, com curso caudaloso e areias nas suas margens, onde os moradores passavam horas de lazer, até o final do século XIX. O  Córrego do Lenheiro, com cerca de 6 km de extensão, atravessa o município, nascendo na Serra do Lenheiro e desaguando no Rio das Mortes. Mas, a partir do século XX, a poluição do Córrego começou a ser considerada problema ambiental para a cidade. Ainda hoje, é alvo de despejo de esgotos das áreas residenciais dos bairros do Tijuco, Centro e Fábricas.

O Lenheiro é canalizado, principalmente, nas áreas centrais de São João, e nele é despejado praticamente todo o esgoto residencial do município. Alguns de seus afluentes, como o Gameleiras e o Águas Gerais, encontram-se em estados ainda mais graves de poluição. O esgoto nessas áreas não é canalizado, fazendo com que o fluxo de água seja menor e aumentando a concentração dos dejetos. A degradação da vida dos córregos não é causada apenas pelo sistema de esgoto da cidade. Há também o despejo, por parte dos moradores, de lixos residenciais nas encostas.

A poluição afeta principalmente os moradores das suas proximidades, que sofrem com o mau cheiro, a proliferação de animais transmissores de doenças e o medo de possíveis enfermidades consequentes do contato com a água. As manilhas, utilizadas para o despejo do esgoto no Lenheiros, são curtas, assim, ele não é depositado inteiramente na água corrente, provocando seu acúmulo no solo existente na beira do córrego – área chamada pelos moradores de ‘prainha’. O despejo de lixos residenciais, além de agravar o mau cheiro, contribui para a poluição por meio do despejo de materiais não recicláveis, acentuando a deterioração do meio ambiente.

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Ainda hoje, moradores se reúnem na Ponte da Cadeia, que corta o Córrego do Lenheiro. – Foto/Dobras e Sobras: Najla Passos

A situação do Córrego do Lenheiro tornou-se questão de saúde pública. De acordo com o estudo feito pelos professores do Departamento de Ciências Naturais da Universidade Federal de São João Del-Rei (UFSJ) sobre os principais poluentes na região hídrica da cidade, no projeto “Determinação dos principais poluentes presentes na região hídrica de São João del-Rei”, não são encontrados apenas lixos orgânicos. Também foram detectados metais pesados, como chumbo e mercúrio,cuja ingestão pode causar graves problemas à saúde.

As obras feitas nas margens do córrego, como a construção das muretas de fracas estruturas que o cercam, também agravam sua situação de risco, assim como o desmatamento e a mudança do curso original da água.

De acordo com o Departamento Autônomo Municipal de Água e Esgoto (Damae), a medida tomada para a despoluição do córrego é a construção de uma Estação de Tratamento de Esgoto (ETE). Assim, o esgoto será tratado antes do seu despejo nos córregos, reduzindo as degradações ambientais. Porém, o diretor da Divisão de Esgoto, Antônio José dos Santos, afirma que o projeto enfrenta dificuldades: “Todo esgoto da cidade é jogado no Córrego e não tem tratamento. Há dez anos existe um projeto para fazer a captação do esgoto da cidade por loteamento, para que cada um tenha sua própria estação de tratamento. Ele atinge toda São João del-Rei. O Rio das Mortes e o Córrego do Lenheiro ficarão limpos se sair esse projeto. Mas, até hoje, não foi decidido nada, porque muda a gestão da Prefeitura e não vai pra frente, tudo está a céu aberto. O que eu tenho feito é: todo novo loteamento da cidade que passa por mim, eu só libero se já estiver com tratamento de esgoto e, assim, diminui um pouco o impacto”, informa.

Os moradores mais antigos de São João del-Rei relatam sobre como o Córrego, antes da poluição, era fonte limpa de água na cidade, utilizado inclusive por donas de casa para lavarem suas roupas. José dos Santos, que além de diretor do Damae, sempre morou na cidade, conta que, quando era criança, tomava banho no Córrego, o qual nunca recebeu tratamento, mas era bem mais limpo que atualmente.

O Córrego do Lenheiro tem valor histórico significativo para São João del-Rei. Resgatar sua vida seria um presente para o ambiente e a população, para que tanto moradores quanto turistas possam desfrutar da famosa “prainha”, como se fazia antigamente.

 

Texto/Dobras e Sobras: Lucas di Capri, Millena Gonçalves, Mike Tavares e Rhayssa Souza
Foto/Dobras e Sobras: Mke Tavares
Reportagem na íntegra: dobrasesobras.wordpress.com/

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