Por : Geovana Nunes, Letícia Vilela e Rebeca Costa

Leite de Castro. São João del-Rei. Imagem: Geovana Nunes

Os casacos grandes e as cores terrosas do outono sempre me agradaram. O charme que é usar luvas e toucas. As bebidas fumegantes. Quentão de festa junina no frio de junho. 

O vento corta o meu rosto na volta para casa. Mas no momento em que cruzo a porta da sala, não há mais vento. Ou frio. Porque ele está lá fora. Do outro lado das paredes. Mas eu não. 

O frio se impõe implacavelmente, tornando as noites intermináveis e os dias mais duros. É uma batalha pela sobrevivência, onde cada rajada de vento cortante parece sussurrar alguma coisa. 

Mas eu não ouço. Estou aqui dentro. Envolto em cobertores e camadas de roupa. Comendo caldo quente. Soprando, porque aqui o frio não entra. 

Me levanto para achar o meu cartão do banco. Não lembro qual foi a última vez que o vi. Mas gosto de tê-lo na carteira. Porque parece menos mentira quando eu digo que só ando com cartão. 

É que vira e mexe, me pedem esmola por aí. É irritante, na verdade. Eu sei que eu deveria ajudar. Mas deveria? Eu tenho medo. Se eu pego a carteira e a pessoa pega ela de mim? E se o dinheiro não for para tal marmita? Como eu posso saber? Não quero incentivar o alcoolismo de ninguém. 

E ah, quem fica altas horas da noite nas ruas pedindo e pedindo? No frio? 

A arquitetura da cidade é muito conivente, eu acho. Parece que aqui é reduto de ponte. Se bem… que tem rio. Aí não precisa colocar pedra ou sei lá… consegue colocar caco de vidro ali? Não sei. Mas é capaz deles conseguirem se equilibrar como naquelas camas de prego. 

É meio chato, sabe? Poxa, eu não tô a fim de todo ir sair à noite para jantar fora e toda hora ter que dizer que “não tenho dinheiro não, irmão”. 

Engraçado a palavra irmão. Ouço muito dentro da igreja. Dentro das várias igrejas que cortam a minha rua. 

Se Chicó e João Grilo estiverem certos, hoje eu vi Jesus morrer. E eu passei direto e reto. Porque eram seis da manhã. Ninguém é ninguém às seis da manhã. 

1 comentário em “As grades do condomínio são pra trazer proteção

  1. Depois do texto vou ver os “pedintes” com outros olhos. Gostei muito do texto!

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