Ouriços que sonham

apresentando os ouriçosA seção Diz Aí deste sábado está filosófica. Quem vai nos trazer o prazer de um texto genial é a Ana Martins, aluna do 7o. período que tem um pé no Jornalismo outro na Literatura, ou vive pulando com os dois tentando juntar – e bem – as duas metades.

No blog “Ouriços que sonham”, Ana fala das “angústias das relações humanas, das tênues linhas que separam os indivíduos modernos e das bobagens que insistem em afastar, cada vez mais, as pessoas”. O tema, para Ana, tem muita a ver com seu trabalho de conclusão de curso, que é a intolerância à diferença entre os indivíduos.

Na descrição do projeto, Ana já diz com que ajuda ela conta: “Que a literatura esteja conosco neste caminho tortuoso a percorrer”. E o que podemos esperar seguindo ouriços que sonham? Carinhos ou espinhos? Conheça o Ouriços para ler textos em que se encontram, como dentro da gente, as duas coisas.

Esse é o texto que a gente escolheu pra postar hoje, e vale muito a pena uma reflexão! Não deixe de ler.

Diz Aí, Ana Martins!

Apresentando os ouriços

Nós não conversamos mais. Empatia, a palavra que está na moda, não passa dos papéis e das redes sociais saturadas de opiniões diversas e desentendimentos. As conversas de comadre, as masturbações de ego, invadem nosso cotidiano e, cada vez mais, nos afastam. Consigo perceber, através desta e de outras telas, que o diálogo está morto e nós o matamos. O que antes era opinião, hoje é lei, é intocável e imutável. Não abrimos mais espaço para nada que difere de nós mesmos e dos nossos gigantescos egos, que engolem nossa humanidade, nossa existência e nossas relações. Tenho pra mim que os espinhos que carregamos, como ouriços, cresceram demais e já não podemos contar com o grupo para nos protegermos do inverno que assola nossas almas. Estamos morrendo congelados, presos a nossos próprios arbustos.

Se teu espinho me fere, automaticamente sinto-me no direito de te furar com os meus. Você não me compreende e eu também não faço o mínimo esforço para tentar enxergar o seu ponto de vista. As leis de Hamurabi, criadas em 1700 a.c. ainda surtem efeito na nossa sociedade pós-moderna, tão desenvolvida. Aos poucos e vorazmente, cegamos um ao outro, mesmo os que se dizem com a missão de esclarecer. Ainda nos lembramos de onde viemos, mas como um bando de barata tontas, não sabemos qual destino esperamos ou nos espera.

Pessoalmente, compreendo que nenhuma pessoa faz o que faz ou pensa como pensa no intuito prévio de prejudicar outros indivíduos. Entretanto, nos esquecemos da responsabilidade que carrega cada ação, palavra e pensamento que possuímos. E essa responsabilidade se perde pelas beiradas e cai sobre outras cabeças, outras histórias, outros universos. Queremos um lugar melhor, mas não nos damos o trabalho de tentar compreender o mundo que mora ao lado. Fechamo-nos em nossos cubículos enfeitados de nós mesmos e nem pensamos em visitar o cubículo mais próximo, imagine o mais distante… E nessa distância, alimentamos nossa própria mediocridade. Lemos apenas o que nos apetece, assistimos apenas o que afirma nossas próprias convicções. O incômodo, que deveria engrandecer os grãos de areia que somos, são nosso maior medo. Estamos tão inseguros que nada que não nos remeta a lugar confortável é bem visto.

Não seria essa a hora de trocarmos ou apararmos esses malditos espinhos? Para dar a luz, quase sempre é necessário sentir a dor do parto. Para viver, é necessário toparmos com as pedras, com o diverso, com o que machuca. Qual beleza teria a alegria se ela fosse absoluta? Quem foi que te disse que existe alegria absoluta ou que você é especial? Você já pesquisou o tamanho do nosso universo, a possibilidade de um multiverso? Então por que ainda nos sentimos tão grandes e tão certos de tudo? A vida é nada mais que um mistério a ser solucionado diariamente. Biologicamente, meu cérebro funciona exatamente como o seu, mas o biológico é tudo que temos pra nos basear? Biologicamente, o homem não pode voar, não pode respirar no espaço, não pode quase nada, mas através dos milhares de anos de nossa existência nesse “pálido ponto azul”, provamos o contrário. Adaptamo-nos pra sobreviver, não é? Nós temos essa capacidade, então que tal usá-la?

Nós somos o tudo e o nada ao mesmo tempo e isso é incrível. Vamos celebrar, sem falsidades, a diferença. Vamos nos dar um pouco do direito de se colocar no lugar do outro antes de lançar pedras. Não jogue bosta na Geni, nem no dono do Zepelin. Tente conversar com eles e entender as diferentes existências e porque elas se tornaram isto que você tanto odeia. O ódio só nos levou a intermináveis guerras, mas o diálogo, esse sim tem a capacidade de real mudança. Abra espaço em você para que o outro possa se acomodar em sua alma. Deixe que a poesia de cada ser, as dores, a história, seja compartilhada. Abra caminho e largue essa convicção que te transforma em mais um ponto fixo. Abra espaço para que você possa fluir, e os outros também. Não esconda seus espinhos e suas dores, mas saiba que o seu vizinho também tem lá seus incômodos e que eles não são piores ou menores porque a sua dor também é gigantesca. Toda dor é gigantesca, não se esqueça disso jamais.