Música são-joanense: tradição, cultura e reconhecimento
Música são-joanense: tradição, cultura e reconhecimento
A história de São João del-Rei com a música é longa e intensa. Podemos dizer que acompanhá-la na cidade é, ao mesmo tempo, entender a história da própria São João. Ao passo que a música exerce uma influência sobre os elementos, as pessoas e as instituições, estas também desempenham uma interferência sob a música, como é o caso da mídia local que retrata os acontecimentos ligados a essa expressão artística e os perfis que a movimentam.
A cidade dos sinos ficou assim conhecida depois da construção das suas igrejas e do tilintar dos muitos sinos que alertavam e alertam até hoje a população dos acontecimentos das igrejas, como os horários das missas, e da cidade, ao oferecer uma espécie de obituário e o horário local. Um elemento marcante presente também nas estruturas dessas obras é o ouro, que marca o contexto de desenvolvimento econômico em que surgiu São João del-Rei no século XVIII.
Mauro Lovatto coordena o Centro de Referência Musicológica José Maria Neves (Cerem), entidade da Universidade Federal de São João del Rei (UFSJ) que estuda e pesquisa a produção musical da cidade. Ele destaca que esse contexto proporcionou um rico desenvolvimento cultural nas artes em geral, mas principalmente na música: “A gente vê isso nas igrejas, nas coisas que ficaram desse período da fundação da cidade. O que a gente percebe é que, nesse momento, a música foi a arte que encontrou mais ressonância no seio da comunidade, que as pessoas mais se envolveram e a cidade hoje tem essas orquestras de 300 anos justamente por essa relação. A música faz parte da comunidade”.
Uma demonstração disso é o Conservatório Estadual de Música Padre José Maria Xavier, que já completa 65 anos. Suporte para formação de músicos na região, foi criado inicialmente para auxiliar às orquestras Ribeiro Bastos e Lira São-joanense, ambas bicentenárias. Atualmente, o conservatório trabalha com 18 instrumentos diferentes e atinge uma vasta diversidade de alunos, além de oferecer um esboço da prática profissional por meio dos estágios para os estudantes do curso de Música da UFSJ.
Confira também: performance da Orquestra Ribeiro Bastos, ao vivo
Para a coordenadora de estágios do curso, Maria Amélia Viegas, a parceria é primordial para garantir a manutenção de uma tradição musical tanto pela figura dos universitários quanto dos que estão iniciando a jornada: “Minas Gerais é um dos únicos estados que têm escolas públicas especialistas de Música. Ao todo são 12 conservatórios no estado, sendo um deles em São João, do qual temos muita alegria. Em relação à importância da parceria com o curso de Música é justamente garantir a perpetuação dessas escolas, que dão acesso ao ensino de Música desde pequenininho e que demanda professores que mantenham isso”.
Maria Amélia destaca também que a diversidade musical são-joanense é um dos pontos que possibilita assistir as aulas referentes aos instrumentos em outros espaços da cidade: “O estágio (do curso) de Música não é só no Conservatório – ele é apenas uma das opções – os alunos também podem realizá-lo dentro de escolas regulares, projetos sociais, bandas e etc”.
Universidade e conservatório: replicando conhecimento
Maria Mariana Lino é uma das personagens que auxiliam na escrita dessa história. A mineira de Cataguases mudou-se para São João del-Rei atraída pela tradição cultural da cidade e movida por uma paixão pela música. Depois de deixar o curso de Filosofia, a estudante decidiu resgatar o interesse despertado pelos pais e hoje contribui para a formação de crianças no conservatório são-joanense. “A minha mãe sempre ouviu muita Bossa Nova, muita MPB e eu continuei ouvindo essas coisas. O meu pai é músico e, apesar de termos uma relação muito distante, as vezes que nos encontrávamos, ele tocava violão pra mim. Era sempre esse repertório, a Bossa Nova, MPB, muito Chico Buarque, Elis Regina… Foram essas as minhas influências.”
A estudante, que iniciou os seus estudos musicais na formação clássica em uma escola de música particular de sua cidade, destaca que o Conservatório de Música possui particularidades que devem ser valorizadas: “No conservatório, existe a prática em conjunto, que muitas escolas particulares não têm. A minha, por exemplo, não tinha. Além disso, têm os corais, que proporcionam estar em conjunto. Existem também as práticas obrigatórias que tem que ser apresentadas. Numa escola particular, isso não é exigido.” Maria Mariana destaca ainda que essas práticas são essenciais para criar um contato com o público e permitir a desenvoltura musical.
Além de representar um dos perfis em formação da música são-joanense, a estudante também observa uma nova geração de músicos em seu ambiente de trabalho. Ela destaca a presença de mulheres durante as aulas de piano, em sua grande maioria brancas. A jovem associa isso à uma cultura machista, em que as mulheres eram motivadas a preferir instrumentos que não fizessem alusão ao erotismo: “Certos instrumentos, como o violoncelo, não eram ‘adequados’ para uma mulher, porque eram muito sensuais, tocados entre as pernas”, explica.
Além disso, a pianista destaca que é possível perceber uma carência que acompanha esse segmento artístico por todo o Brasil: “Tem uma aula que eu observo em que sempre tem um aluno que sai. Vai um mês, some um mês, não dá satisfação e depois de uma ou duas semanas, avisa que saiu. Às vezes eu também vejo uma repetição de informações. Por exemplo: você dá uma peça para um aluno numa semana e na outra a peça não evoluiu nada, porque não é dado um enfoque no estudo da música”.
Mauro Lovatto também enxerga problemas no estímulo à música na idade. Ele aponta que poderiam ser desenvolvidos programas para apresentação dos músicos ou outra ideia que proporcionasse a profissionalização dos músicos da cidade. Segundo o jornalista, em São João del-Rei existe uma cultura de amadorismo muito grande: “Eu acho que o músico tem que ser mais valorizado. Vejo São João como uma cidade que tem um patrimônio, um potencial cultural grande, mas que não desenvolve por questões políticas. Questões políticas que amarram o próprio desenvolvimento da cidade; o turismo, a cultura, a educação estão no meio dessas coisas”.
Os acordes da música na mídia
A editora chefe da Gazeta de São João del-Rei, Carla Gomes, é responsável por um dos jornais impressos mais antigos da cidade. Segundo ela, o agendamento das pautas musicais costuma ser feito quando trata-se de uma notícia factual: “A gente tem que se ater a questão da factualidade, o jornal tem que mostrar ao público a questão da factualidade”.
Na Gazeta, a editoria de cultura é a segunda mais acompanhada, atrás apenas do esporte. Ela destaca uma matéria sobre o pianista são-joanense Franz Ventura, quando este performou uma música em homenagem a sua mãe, uma das mais repercutidas pelo jornal. Carla defende que uma das principais diretrizes do jornal é a representação cultural local, em todas as suas formas, não só de São João, mas demais cidades que são cobertas pelo semanal. “Nós já fizemos várias matérias sobre a importância das orquestras, da música, tanto no conservatório, na Ribeiro Bastos… É muito amplo.”
Mauro Lavatto, que é jornalista de formação, vê a participação da mídia local, de forma geral, como pouco influente. “Do jeito que a mídia está disposta aqui em São João, ela contribui muito pouco”, afirma ele. “Por exemplo, se você pegar a Gazeta, os músicos que aparecem dando entrevista ou tendo referência são sempre muito poucos ou sempre os mesmos. Muitas vezes as partes e matérias de música são jogadas na Coluna Social. Acho que a mídia está preocupada com outras questões, tem uma contribuição muito pequena”, completa.
Rita Moreira, que é integrante da banda Trio à Rita, também expõe suas opiniões. Ela diz já ter tido boas experiências com os veículos de comunicação da cidade. “A gente participou do programa da TV da cidade, a Campos de Minas, chamado Clipe Mania. Gravamos um episódio com eles e com a banda inteira, que foi interessante, porque a gente geralmente tem espaço de barzinho e toca só voz e violão. Outra vez gravamos o programa da Meg na Rádio São João. Ela está fazendo uma série sobre o pessoal que toca em bar”.
Rita afirma que diferente de veículos de maior alcance, nos meios são-joanenses os artistas não precisam pagar ou estar atrelado a uma grande gravadora para ter seu trabalho vinculado, mas ainda assim reconhece que não trata-se de uma parceria tão sólida: “a gente deu uma entrevista para um jornal uma vez também, mas é tudo muito esporádico. Os meios que a gente mais usa são as redes sociais. Facebook e Instagram. A gente não recorre tanto às mídias tradicionais. Nosso público de São João funciona muito bem a divulgação através de rede social”.
A diversidade de estilos que compõe o cenário musical da cidade também reflete as variadas percepções dos seus componentes sobre a visibilidade concedida pelos meios de comunicação local. Apesar das aparições esporádicas e do tímido espaço em que a música é representada por esse veículos, podemos destacar a importância do registro documental de artistas e estilos que vêm compondo a história musical de São João del-Rei.
Repórteres: João Justino, Juliana Paravizo, Lucas Maranhão, Mariana Ribeiro e Talita Tonso
Editores-Adjuntos: Arthur Raposo Gomes, Clara Rosa e Juliana Galhardo
Editora-Chefe: Profa. Najla Passos