15ª edição

Vida da Gente é uma coluna quinzenal de divulgação dos zines¹ produzidos por mulheres em situação de privação de liberdade da Unidade Feminina da Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (APAC) de São João del-Rei.

A vida não é fácil…, de Vanessa, outubro de 2022.

Transcrição de A vida não é fácil…, de Vanessa 

“A vida não é fácil…
Leia e aprenda a viver com Vanessa
pois só quem tem raíz aguenta chegar onde cheguei.

Eu nasci em 1993, em São João del-Rei, era uma criança muito amada pela minha mãe e pelo meu irmão mais velho. Quero descrever o sofrimento de minha vida e o motivo da minha vida do crime.
Bom, quando eu era pequena presenciava meu pai batendo em minha mãe. Um certo dia minha avó me levou para morar com ela e nada adiantou, o sofrimento continuou, pois a saudade do meu irmão era frequente e, sendo assim, voltei para casa da minha mãe. Com 10 anos meu irmão mais velho me levou para jogar vôlei e nisso eu descobri um dos meus talentos. Fui embora para Belo Horizonte e comecei a jogar no Minas, até que chegou a notícia que meu irmão teria sido preso. Diante dessa situação que meu irmão estava passando eu voltei para São João e vi meu irmão mais velho sendo sentenciado por uma coisa que ele não fez, eu entrei em depressão e fiquei um ano só na tristeza, depois eu comecei a visitar meu irmão e achei que o crime era bom. Entrei no crime e não ligava pra nada, vendia drogas, fiz um assalto e fui presa. No ano de 2011 cheguei na APAC e não me adaptei, fui para o presídio e fiquei seis meses e sai. Fui na casa da minha tia e conheci o pai do meu filho, eu engravidei e ele foi preso. Passei a tomar conta da biqueira, até que um dia saí para ir para o baile e encontrei com um monstro que me ensinou a usar crack. Nisso eu viciei, saí de casa, abandonei meu filho e comecei a roubar na cidade. Conhecida como Vanessa Perigosa era a pessoa mais procurada, pois sempre fugia da APAC e ia roubar. Passar do tempo, fui presa e dentro da prisão perdi minha outra metade, meu irmão mais novo foi assassinado brutalmente. A revolta bateu, batia em todas as presas que estavam comigo, mas Deus tem sempre o melhor. Fui transferida 5 vezes, cheguei a passar fome.
Até que voltei para São João e encontrei pessoas que me ajudaram a descer para APAC, mas mesmo assim tinha uma mente maldosa, planejava uma fuga da APAC, mas deu errado, pois descobriram o plano de fuga. Nisso a encarregada de segurança Thaís me desafiou falando da seguinte maneira: “quer ir, vai Perigosa”. Eu não tive coragem, foi preciso Deus enviar ela para me ajudar, não só bastasse ela, eu vi que estava perdendo o homem que eu amo.

Uma página em branco é o que eu quero ser! Deus escreveu minha história me ajudou a vencer!

No fundo de uma cela fria estava eu e a solidão, alegria tinha ido embora, os pensamentos já não eram os mesmos, a pena de reclusão é alta, a saudade da família era constante, a esperança nunca morre, pois estamos sendo ressocializadas.
Um fim de uma vida triste…

Um novo recomeço.
Com a ajuda de Deus eu consegui vencer, pois Deus trouxe amor, esperança para o meu viver, com poucas palavras o amor de um homem me ensinou que tudo na vida se resume em quatro letras: amor. Que por mais que vivemos distante das pessoas que amamos, ele nunca acaba, pois é o sentimento mais verdadeiro. O novo recomeço em minha vida foi quando eu descobri que esse amor que existe dentro de mim é maior que tudo que eu já passei. Recomeço dá sentido a uma vida com comprometimento, respeito, lealdade. foi assim que hoje eu sei o sentido da vida. Foi por você Luiz, Maria, Dimas, Vanuza e a APAC, que me mostrou que só depende de mim para ser feliz.
Dimas
Thaís
Vanuza
Luiz
Giovanni
Maria
Amores.

Para viver bem precisamos: amor; fé; foco; carinho; lealdade; sinceridade.
O mundo precisa de tudo isso e mais um pouco.

APAC, uma evolução e recuperação na minha vida.
Graças a Deus, hoje eu me sinto uma outra mulher, pois a APAC  tem sido na minha vida um alicerce para mim percorrer caminhos dos quais eu jamais pensaria que eu conseguiria e foi assim que essa entidade me mostrou que toda mulher é maior que seu erro.

Finalizo com minha simples palavras, deixando com gratidão a toda a minha família ao meu esposo Dimas, ao fuzato, a nossa voluntária Taísa por nos dar oportunidade de nos mostrar quem somos e o mais principal a Deus por me manter de pé.
É necessário acreditar que o sonho é possível, o céu é o limite e a gente chega aonde queremos chegar.
 Paz, amor é o que eu quero para nós.
 Essa é um pouco da minha história.
 Por enquanto FIM.”

Mediadas por Taisa Maria Laviani², as oficinas de zines realizadas na APAC Feminina de SJDR tem como objetivo abrir espaço para o diálogo, a reflexão, o fazer manual, a criatividade e a autoralidade, a partir da prática artística e comunicativa, bem como promover a circulação dessas narrativas e criações através da coluna Vida da Gente.

Erguer a voz a partir de seu lugar no mundo é um ato de poder existir, se reconhecer e ser reconhecido. E o que as mulheres em situação de privação de liberdade tem a nos dizer? A nos mostrar? Fique de olho!

Notas

¹ O Fanzine, ou simplesmente zine, é uma publicação independente. Um zine é um veículo de comunicação (assim como o jornal, livro, revista, gibi, etc.) que pode assumir qualquer formato, abordar qualquer tema e ser publicado por qualquer pessoa, com os mais baixos recursos. Por isso, segue à risca o lema “faça você mesmo!”.

² Taisa Maria Laviani é formada em Ciências Sociais, pela Universidade Estadual Paulista, zineira e mestranda do Programa Interdepartamental de Pós-graduação Interdisciplinar em Artes Urbanidades e Sustentabilidade, da UFSJ.