Uma carta de saudades para a mutante mais amada do Brasil

Por Cecília Rodrigues

Foto: Nelson Di Rago/TV Globo/Arquivo

“Nunca foi um exemplo, mas era gente boa”. Foi assim que Rita Lee terminou seu epitáfio profético, na sua primeira autobiografia. No sonho sobre sua possível morte, era dessa forma que ela gostaria de ser lembrada. Lendo essa frase, é compreensível duvidar da sua veracidade.

Afinal, é difícil saber o que não poderia ser um exemplo. Todo jovem que já se sentiu como se fosse uma ovelha negra na própria família, por exemplo, foi confortado ao ouvir o ícone se expressar sobre sua saída do ninho e sua entrada numa vida desconfortável. Qualquer pessoa que busca liberdade se sentiu à vontade ao escutar a frase: “Um belo dia resolvi mudar e fazer tudo que eu queria fazer”.

Nunca conheci alguém que não soubesse cantar “Erva Venenosa” do começo até o fim e tive a sorte de acompanhar quase Todas As Mulheres Do Mundo cantarem a frase: “Sou mais macho que muito homem”, com um sorriso no rosto.

Mais do que só uma cantora icônica, Rita Lee Jones tinha uma liberdade e sinceridade que só ela conseguia ter. Falar de “Lança Perfume” e sobre deitar e rolar com seu amado, num Brasil sempre conservador, nunca foi fácil. E, mesmo assim, ela conseguiu. Tornou-se um ícone feminino, uma “diva” desse tal de Roque Enrow, e, ainda, fez questão de se dar o título de padroeira da liberdade. Afinal, no fundo, todo mundo – inclusive ela mesma – sabia que era merecido.

Desculpe o auê, Rita Lee, mas é difícil imaginar um futuro musical onde você não tenha feito a diferença nem marcado tantas pessoas. Nessa perda tão grande, acho que o Brasil só quer dizer: “Deus me livre e guarde de (ficar sem) você”.