Festejos com dança, música e rituais marcam exaltação da cultura afro-brasileira vinda pelos antigos escravos da região

Dança da fogueira é uma das celebrações aguardadas na Festa de Maio - FOTO: Danúsia Monteiro
Dança da fogueira é uma das celebrações aguardadas na Festa de Maio – FOTO: Danúsia Monteiro

Congo, congada, moçambique, catopé, marujo, caboclinho, cavaleiro de São Jorge ou vilão. A tradição da cultura afro-brasileira completou seus 90 anos de legado na Festa de Congada e Moçambique, ou popularmente Festa de Maio, no último final de semana de maio, em Piedade do Rio Grande.  Nela, vários grupos, através de cortejos, tomam as ruas da cidade para dançar e cantar em louvor aos seus santos e em proteção aos reis e às rainhas. É uma maneira de valorização e resgate do que o povo africano trouxe ao Brasil.

A doutora em História pela Universidade Federal Fluminense, Lívia Monteiro, pesquisou os elos do passado e do presente da Festa de Piedade. Na tese, ela analisou as gerações de congadeiros-moçambiqueiros que compõem ou compuseram a tradição e suas memórias de escravidão e liberdade, contadas por meio de danças, músicas e rituais. “A festa me fascinou justamente por ser uma forma, ligada à oralidade, de se contar história. Uma narração esquecida ou silenciada, mas que sobrevive de modo resistente”, explica.

Segundo a pesquisadora, os fundadores da Sociedade de Congada e Moçambique em Piedade, instituída em 1926 e registrada dois anos depois, viveram o fim do sistema escravista na região. Com a Abolição, as famílias continuaram o serviço nas fazendas e criaram essa sociedade como forma de não esquecer o passado, de comemorar a liberdade e acionar a mobilização social.

 

Revitalização da tradição

Cultura e religião se encontram nos ritos da Festa de Congada. FOTO: Danúsia Monteiro
Cultura e religião se encontram nos ritos da Festa de Congada. FOTO: Danúsia Monteiro

As diferentes gerações de identidade negra realizaram e transformaram a festa. O atual grupo é formado por descendentes da primeira geração e jovens negros da comunidade, promovendo o diálogo entre épocas. Para a professora São-joanense Tatiana Fonseca, “é bonito o respeito dos mais novos com as tradições, por isso eles a mantém. E por ser algo de referência não tem como não manter. São 90 anos de história”, explicita.

A festa é uma mistura de cultura e devoção. Na comemorações, convivem o sagrado e o profano. Durante o dia, celebrações religiosas acontecem (missas, procissões e a coroação de Nossa Senhora do Rosário e das Mercês). À noite, dança da fogueira, shows e barracas tomam conta da festa.

O presidente da Associação de Congadas, Mário Tomé, comenta que nem sempre esse espaço, principalmente dentro da religião, era permitido. “Antes, só dançávamos até a porta da igreja. Hoje, não tem mais isso, já conquistamos o nosso espaço. Cultura e religião compartilham da tradição, coisa que não acontecia. Creio que era respeito do negro com o branco. Respeito não, na verdade, medo”, avalia.

A Congada também se apresenta em eventos municipais (Encontro de Congados e o “Cidade em ação, Piedade no coração”) e em outros estados. O piedense Virgílio Bernardo, estudante de Filosofia na Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), sempre acompanhou de perto o movimento da cidade pelas barracas até descobrir o rico patrimônio cultural. “Eu esperava a festa por causa das barraquinhas e das brincadeiras, mal sabia que estava no meio de um turbilhão de riqueza histórica e cultural. Me surpreendi quando percebi que esse conhecimento veio dos escravos, seu modo de festejar e se expressar”, avalia.

 

Novos rumos e alguns desafios

Alguns desafios ainda são enfrentados para a manutenção da festa, como o processo lento do seu registro como patrimônio imaterial, dependente dos desdobramentos políticos do Brasil e de um diálogo profundo com os moçambiqueiros, detentores dessa cultura.

O evento precisa ser mais valorizado e divulgado, pois,  além do impacto cultural, a Festa de Maio também atinge economicamente a região como fonte de renda para moradores, que aproveitam o momento para a venda de seus produtos.

Com a tese, a pesquisadora Lívia lançará um documentário como material de auxílio à eternização do tempo presente do grupo. Contudo, de acordo com ela, “a prefeitura, a paróquia, o Conselho do Patrimônio Histórico, a mídia, os comerciantes e a comunidade também têm partes a contribuir nessa manutenção. O apoio à festa e aos congadeiros é fundamental”, declara.

 

TEXTO/VAN: Graziela Silva

COLABORAÇÃO: Ícaro Chaves

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