A história é como um quadro com moldura, que deve ser guardado.
Osni Paiva

 “É um dom, e ele nasce com a gente”. Foi com esta resposta que o escultor são-joanense Osni Paiva iniciou a conversa, ainda meio acanhado, tremendo no sofá, como se aquela fosse a primeira entrevista de sua vida. Suas mãos, calejadas e com marcas de tinta, acompanhavam a batida das pernas, como se estivessem seguindo o ritmo de uma melodia.

            Osni Paiva é escultor santeiro de São João del-Rei. Autodidata, interessou-se pela escultura ainda criança, com seis anos de idade, quando seu pai, dono de uma serraria trazia toquinhos para ele. “Minha família sempre me incentivou, principalmente devido a nossa religiosidade, produzir imagens sacras era e é um sinônimo de fé”.
  Segundo Paiva inspiração para criar imagens sacras tão belas e expressivas surge da própria essência da madeira.  “Meus santos já vem na madeira, eu simplesmente tenho que achá-los”. A procura é feita ao som de músicas sacras e barrocas, comenta. “Nossa cidade é privilegiada, respiramos o barroco. A inspiração está no ar presente em nossas Igrejas, com obras de grandes artistas como Mestre Cajuru e Valentim Correa Paes.”
            Osni, ainda meio tímido, diz que trabalha sozinho e que seus filhos infelizmente tomaram outros rumos. O santeiro afirma que já fez diversas exposições na cidade e no Palácio das Artes, em Belo Horizonte, e que muitas de suas peças já foram vendidas para o exterior. “Minhas esculturas é o que eu posso deixar para a cidade, elas são a minha marca para a história”.
A antiga Igreja de Matosinhos

      Não demorou muito para a conversa tomar outro rumo e a história de Osni se confundir com a do bairro de Matosinhos. “Eu nasci em Matosinhos e sou apaixonado pelo bairro; eu vi o fim da nossa história com a demolição da antiga Igreja; foi lastimável. Foi o fim da nossa memória e identidade; por isso resolvi fazer uma réplica da Igreja e tentar preserva – lá”.
  O escultor menciona o fato da antiga Igreja de Matosinhos, construída em 1774, século XVIII, ter sido demolida, em 1970, devido à expansão do bairro e a necessidade de se ter uma paróquia que acompanhasse o desenvolvimento. A demolição ocorreu mesmo com o tombamento da Igreja, em 1935, como patrimônio histórico da cidade.

            “Sou apaixonado pela a cultural local, o qual me foi passado pela oralidade dos meus pais, pelas festas deslumbrantes que ocorriam na Igreja. Por eu ser um apaixonado por história, foi um prato cheio”.  O santeiro referia-se à construção, em seu quintal, da réplica da antiga Igreja do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, em tamanho reduzido, mas que impressiona pela veracidade e riqueza dos detalhes.
            Neste ponto, a entrevista já tinha se tornado uma aula de história na qual Osni demonstrava uma força em suas palavras, até então não revelada, misturando revolta e esperança. “Sou apaixonado pela história de São João del-Rei, sou barrista com orgulho, acho que primeiro temos que amar nossa história, conhecê-la bem, para depois ir ampliando. A gente não ama aquilo que não conhece. Às vezes, idolatramos monumentos e histórias estrangeiras e acabamos demolindo a nossa. A história é como um quatro com moldura que deve ser guardado, pois embeleza”.
Osni e mais uma de suas obras

           Para finalizar, o escultor comenta que uma bela maneira de preservarmos nossa cultura, a fim de que atos como a demolição da antiga Igreja de Matosinhos não ocorram, é valorizando a educação. “Acho importante levar a criança no ambiente histórico, ela assimila e marca mais, valorizando hoje o trabalho de ontem, dando assim, continuidade a tradição oral, marca de nós mineiros”. 

            Osni mantém um trabalho voluntário no município de São Miguel do Cajurú (Cajuru), onde tenta recuperar a história local, por meio de pesquisas no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e com a conscientização das crianças, nas escolas. Um dos artifícios adotados por ele é reconstruir momentos que marcaram a cidade com pequenas esculturas e divulgá-las para a comunidade. 
Texto e Fotos: Natália Resende
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