O casarão do Museu Regional de São João del-Rei chama a atenção de turistas e demais pessoas que passam pela região do Largo do Tamandaré. O prédio com características do período colonial guarda exposições permanente e temporárias da região, mas sua participação ativa na história de luta entre a preservação histórica municipal e o progresso da cidade passa despercebida aos transeuntes.

 

Diário do Comércio, São João del-Rei, 1946 (Fonte: Biblioteca Municipal Baptista Caetano d’Almeida)

 

O casarão da praça e o comendador:

É em um cenário de declínio da produção de ouro em São João del-Rei que começa a história do casarão. A vila, que antes cumpria importante papel na extração aurífera, passou a ser ponto comercial. O surgimento de novos e expressivos comerciantes na área, coloca em cena o comendador João Antônio da Silva Mourão, nascido em 1806.

João Antônio e sua família ocupavam importante posição social e influência na sociedade são-joanense. Foi ordenado com duas Comendas – da Ordem da Rosa e da Ordem de Cristo -, insígnias concedidas durante o Império para aqueles que propagassem a fé, o culto cristão e a fidelidade ao Imperador.

Já com idade avançada construiu em 1859 sua casa em frente à Praça Severiano Resende (antiga Praça do Tamandaré). A casa foi erguida aos moldes da imponência frequentemente vista entre os mais ricos da cidade, com posição privilegiada na esquina e cômodos largos e extensos. A arquitetura ficou mesclada na fachada, entre decorações mais simples  e ornamentos em uma das laterais, misturando pompa com simplicidade construtiva em seus três andares, detalhe incomum já que os sobrados normalmente eram construídos em dois andares apenas. A fachada não teve um estilo bem definido, cada um de seus lados exibe uma arquitetura diferente que varia entre o rococó, neo-clássico e colonial. Essa foi uma escolha feita pelo comendador à época que desejava que seu sobrado exibisse a pompa e a riqueza, mas sem perder a funcionalidade. A fachada mais ornada é justamente a que está de frente à praça.  A conclusão da obra se deu com a instalação de sua família ocupando o segundo e terceiro andar. O primeiro andar ficou destinado à loja de secos e molhados do comendador.

Preservação x Progresso:

“Ide a São João del-Rei/De trem/Como os Paulistas foram/A pé de ferro”. O poema escrito por Oswald de Andrade há mais de 90 anos atrás testemunhava a histórica expedição cultural a Minas Gerais na década de 20. Desembarcaram em São João del-Rei durante a Semana Santa, intelectuais da Semana de Arte Moderna, como a pintora Tarsila do Amaral e os poetas Carlos Drummond, Mário e Oswald de Andrade. A redescoberta das manifestações do Barroco mineiro serviu de inspiração não apenas no cenário artístico, mas também para levantar o debate sobre preservação e valorização do patrimônio cultural.

Em 1938, durante o governo Vargas, o anteprojeto de autoria de Mário de Andrade, sob a administração de Rodrigo de Melo Franco, dá origem a  Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Dphan), que posteriormente mudaria de nome e se tornaria o atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Iphan. Com a missão de assegurar a preservação do Barroco, dá-se início ao processo de tombamento do conjunto arquitetônico e urbanístico de São João del-Rei. De acordo com a lei, pouco poderia ser modificado nessas edificações. E foi a partir daí que a disputa começou: o antigo casarão do comendador localizava-se no centro da cidade e os herdeiros proprietários solicitam a demolição completa do imóvel para a construção de um hotel.  Obviamente, o pedido foi negado, oferecendo ao proprietário apenas a possibilidade de reformá-lo, a fim de não comprometer sua aparência externa.

A decisão não agradou nem um pouco. Com a ajuda de influências políticas da região, foi dado início a uma série de impasses que duraram anos e resultaram por fim na venda do sobrado, em 1946, para a Companhia Interestadual de Melhoramentos e Obras S.A. (Cimosa), da qual o futuro presidente do Brasil,  Tancredo Neves, era sócio.

A Cimosa pretendia construir ali um edifício de doze andares e substituir a praça por um terminal rodoviário. Com aval da Prefeitura, deu início a demolição lenta e parcial, contrariando as recomendações do Dphan. Dá-se início, então, à uma intensa disputa progresso x preservação. A elite e a política enxergavam naquele local privilegiado da cidade, conhecido como Largo do Tamandaré, a possibilidade de expansão da economia, por meio  da valorização do turismo, além da insistente corrida para o chamado “progresso”, algo que já acontecia na capital mineira e em todo o país.

Imprensa:

Os jornais da cidade promoveram uma forte campanha pró demolição. Em nome do tal “progresso”, incluíam em seus discursos a justificativa de que, na época, o sobrado nem sequer era centenário e não apresentava relevância artística ou histórica.  Consideravam ainda a falta de estética artística e colonial.

O casarão foi retratado pelos noticiosos como uma estrutura totalmente sem importância ou utilidade, que ocupava espaço em um ponto importante da cidade, empacando o progresso e o crescimento local.

“Tombar indistintamente casas que estão entulhando as nossas ruas, pardieiros (imóveis mal conservados) que infeccionam e provocam náuseas aos transeuntes, como a casa do sobradão,  é um absurdo”, bradou o Jornal O Correio, de São João del-Rei, em 1946.

A medida em que a disputa se intensificava, periódicos como O Diário do Comércio buscaram retratar a situação como “uma sadia e vigilante mentalidade progressista” e que a demolição não era de interesse apenas das elites, quando a população pertencente à classes populares era amplamente a favor e desejava “a construção de um moderno e majestoso hotel” a manter um casarão velho sem utilidade.

Enquanto a campanha dos jornais se propagava e com o aval da Prefeitura, que dificultava e omitia o acesso a informações do estado do casarão, este ia se perdendo aos poucos, silenciosamente, em demolições realizadas pela Cimosa de dentro pra fora, chegando a derrubar todo o segundo andar do sobrado.

Em junho de 1946, foi encaminhado à Assembleia Nacional Constituinte um requerimento para que o Ministério da Educação fundasse na cidade um museu histórico. A Dphan é então encarregada a providenciar o local para sediar o futuro museu e indica o casarão. A jogada foi mal vista por todos, considerando que a população tinha sua opinião baseada apenas no que era divulgado pela imprensa. Apesar disso, a Dphan consegue o tombamento individual da casa, mesmo que àquela altura não restasse muita coisa.

Ao ver o andamento do processo se concretizando, a Cimosa levou o caso ao Supremo Tribunal Federal (STF), que convocou um técnico para analisar a situação. Numa reviravolta, é dado o parecer favorável a Dphan. O técnico Afonso Arinos, em seu relatório, enfatizou a extrema necessidade de desenvolver uma consciência nacional de preservação, e seguida de severas críticas à Cimosa, Prefeitura, agentes políticos e imprensa, afirmou que desrespeitaram e burlaram a lei, numa aliança ardil que empreendeu uma campanha de imprensa “não longe terrorista” a favor de capitalistas que queriam nada além de lucro. Ainda em meio a conflitos, em outubro de 1947 o Casarão é finalmente desapropriado de utilidade pública e é dado início a reforma do imóvel.

O Museu

Após a causa ter sido ganha pela Dphan, se instaura o Museu Regional de São João del-Rei. As reformas terminam em 1954, ainda durante a reforma, entre os anos de 1952 e 1958, começaram as aquisições de peças para o acervo do Museu.

As primeiras dificuldades surgem com relação às coleções e conceito inicial do museu que se torna difuso meio às reformas para reconstrução fiel da antiga planta do casarão.

Durante as demolições da Cimosa, o casarão havia sido destruído quase totalmente em seu interior e parte de suas paredes externas sofreram danos irreversíveis também.

Sob a orientação de diversos profissionais e arquitetos da Dphan (inclusive um dos arquitetos, Lúcio Costa, seria um dos responsáveis pelos traçados dos mapas de Brasília) a decisão foi tomada para que o estilo colonial e imperial permanecesse, característica marcante do casarão ainda no século XIX.

Pensando ainda na ótica da preservação, a restauração foi direcionada para que no interior do sobrado ainda pudesse ser reconstituído a vivência e costumes da época. Infelizmente, isso não foi possível devido ao lento progresso da restauração e dificuldade de manter a planta original. Desta dificuldade, surgiu a necessidade de criar um ambiente que, ainda que não fosse de todo fiel ao casarão original, não parece contaminado pela onda eclética do final do século IXI.

Em 1958 o museu é parcialmente aberto ao público e em 1963 se inaugura ao público o Museu Regional de São João del-Rei que remete ao cotidiano do povo de mineiro no século XVIII e XIX, através de móveis e utensílios domésticos utilizados na época.

Hoje o museu está sob a proteção do Iphan e do Ibram (Instituto Brasileiro de Museus). Além de recontar a história da vida íntima e social mineira, também conta com exposições de artistas regionais, acervos e catálogos, projeções de filmes e visitas guiadas pelas exposições, unindo a história já vivida e a que está sendo escrita hoje.

Repórteres: Najla Brandão e Thaís Fernanda
Editores-Adjuntos: Arthur Raposo Gomes, Clara Rosa e Juliana Galhardo
Editora-Chefe: Profa. Najla Passos

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