Por Ana Cláudia Almeida e Igor Chaves

Aula de espanhol ministrada pela professora Maria de los Angeles, a “Delo” – Foto por: Igor Chaves

“Ainda que eu falasse línguas, as dos homens e as dos anjos, sem amor eu nada seria”. É com esta reflexão bíblica em mente que, na histórica e religiosa São João del-Rei, um padre fundou um projeto social focado, acima de tudo, no idioma que traduz todos os outros: o amor. Padre Alberto Ferreira, falecido em 2009, como líder da Paróquia de São João Bosco se mostrou uma figura relevante e presente pelos corredores e salas do Centro de Pastoral P. Jayme Teixeira Filho, no bairro Dom Bosco. Com uma proposta de integração e acolhimento através do ensino múltiplo de idiomas, o Curso de Línguas São Marcos (CLSM), iniciado em 1993, revelou o esforço do sacerdote salesiano em cumprir o que acreditava ser seu propósito. Em síntese, explorar novos horizontes, “abrir portas” e conectar culturas através das palavras foram, e ainda são, as missões que orientam o planejamento e as ações deste projeto aberto à toda a população são-joanense.

Nesse contexto percebe-se que, não somente um abrigo para os entusiastas da linguagem, o CLSM oferece todos os sábados uma experiência gratuita de troca cultural inclusiva e dinâmica. Segundo o professor e secretário do curso, Samuel Daldegan, 35 anos, essa democratização do ensino esteve sempre presente com a simplicidade do fundador aficionado por línguas. Para comprovar, basta  uma visita à sede do projeto, nota-se que mediante aulas interativas com professores voluntários, sem metodologia fixa e materiais de apoio inacessíveis, uma oportunidade valiosa e propiciada àqueles interessados em finalmente concretizar o sonho do segundo idioma e/ou praticar línguas para fins empregatícios.

P. Alberto (sentado) e alunos na aula de francês do Curso de Línguas São Marcos, em 2004 – Fonte: Branca Maria (acervo pessoal)

 Atualmente, após uma pausa em suas atividades no ano passado, o projeto contém 112 alunos e 6 professores e dispõe de quatro oficinas: espanhol, inglês italiano e português para estrangeiros. Questionado acerca do perfil do público-alvo e do público frequente, Samuel relata a variação desses aspectos conforme a fase enfrentada pelo projeto. Tendo tido uma época bem abrangente, atendendo desde crianças à jovens e adultos da comunidade são-joanense e cidades circunvizinhas, “Neste momento, com a proximidade do Campus Dom Bosco, a equipe reduzida e as inscrições direcionadas para alunos com 15 anos ou mais, grande parte dos inscritos são universitários da UFSJ (Universidade Federal de São João del-Rei) e do Instituto Federal – campus de São João del-Rei. (Fora isso) alguns são jovens menores de 18 anos e adultos daqui da comunidade”. Ainda nesse viés, ele complementa que, em certos momentos atípicos, como os anos pandêmicos, a quarentena se mostrou um mal que veio para o bem: “Em 2020 o curso foi suspenso de março a julho, (depois) retornando com as oficinas on-line até novembro de 2022. Essa medida necessária trouxe novos caminhos e abriu as fronteiras possibilitando que o projeto chegasse a lugares distantes do Brasil, recebendo alunos do Amazonas, Rio de Janeiro e São Paulo, por exemplo”. 

A força do voluntariado

Ao longo dos seus 31 anos de existência, sempre com um suporte dos grupos leigos da vertente salesiana da igreja católica, o Curso de Línguas São Marcos tem acumulado muitas histórias interessantes para contar. Branca Maria, 80 anos, é aluna assídua do CLSM desde 2001. Atualmente, a professora aposentada se dedica a aprender espanhol, mas já “trilhou” pelo inglês, o italiano, o alemão, o latim e, até mesmo, o árabe. É certo dizer que esse intercâmbio linguístico só foi possível graças ao grande número de voluntários que se aplicavam em partilhar seu saber e, assim, mudar o itinerário de muitos, de idades e origens diversas.

Durante seus anos dourados, mais de 50 professores transitaram entre as salas de aula do CLSM. Muitas vezes com perfis distintos em formação, estilo de trabalho, nacionalidade e até, crenças e valores. Todos, porém, honraram o compromisso único de ensinar um novo idioma e transmitir toda uma cultura. Maria de los Angeles, 62 anos, a “Delo”, é professora de espanhol e então coordenadora da equipe docente. Para ela, o trabalho do voluntário demanda compromisso, afinal, exige que o profissional saia da sua zona de conforto e busque maneiras de diversificar o ensino. “Quando você tem um material (livro; apostila; etc.), chega uma hora que você vai nivelando. Pelo menos, naquele dia, todo mundo está na mesma página, entendendo a mesma coisa, acompanhando ali”, explicou. “Quando você tem um público diversificado ficamos nessa de ‘O que eu vou levar para eles que vai atender todo mundo?’, então é muito desafiador”.

Complementando tal perspectiva, o voluntariado acaba agregando muito mais à sala de aula ao carregar consigo o tempo e o talento doado em prol da coletividade. Focando no CLSM, como Branca enfatiza, cada aluno que passa por alguma das disciplinas não aprende somente uma nova língua, como também é ensinado sobre a fraternidade em um ambiente repleto de carinho: “Aqui eu encontrei o amor, aqui eu encontrei a humanização, aqui eu encontrei gente que realmente é gente. Aprendi muito com os colegas e com os professores. Esse espírito de amizade, coletividade, de família, de companheirismo e de coisas boas”. 

A exemplificar, esse também foi o caso de Samuel. Ex-aluno do Curso de Línguas São Marcos, ainda na adolescência decidiu deixar a carteira para assumir o quadro. Hoje, graduado em letras pela UFSJ, o ex-coordenador do projeto relembra como a iniciativa o incentivou a seguir como professor: ” O voluntariado é para mim hoje, ao completar 20 anos a serviço do CLSM, espaço para um laboratório de experiência pedagógicas no ensino de idiomas uma oportunidade de oferecer à sociedade minha gratidão pelo que um dia a mim foi ofertado.”

Em suma, esta iniciativa do Padre Alberto, fortemente estimulada e apoiada pelo Padre Jayme, exprime a veracidade do ditado “a união faz a força”. Todos os envolvidos “conectados por um ideal”, como diz o slogan do projeto, utilizam-se da compreensão da aprendizagem como via de mão dupla para não permitir que a escassez de recursos limite a prática do estudo de idiomas. No mais, conforme os entrevistados foram unânimes em afirmar, a validade desta experiência cumpre o propósito de seu fundador ao ultrapassar o sentido de escola e atingir a posição de morada para seus integrantes.