Apesar dos avanços conquistados pelos movimentos, violência continua constante

O Brasil possui atualmente a 5° maior taxa de violência contra a mulher do mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Segundo o relatório de pesquisa do DataFolha deste ano, 73% da população brasileira acredita que a violência contra a mulher aumentou nos últimos 10 anos. Entre as mulheres, essa porcentagem aumenta para 76%. A pesquisa também mostrou que 29% das mulheres entrevistadas já sofreu algum tipo de violência, e que desse conjunto de ofensas, 22% foi verbal e 18% de ameaça de agressão. A vitimização sobressai entre as mais jovens, sobretudo as de 16 a 24 anos, cuja taxa chega a 45%, assim como entre as mulheres negras (31%) em relação às brancas (25%), sendo que as solteiras são mais vitimadas do que as casadas.

Dentre as mulheres que sofreram violência, 52% não fizeram nada sobre. apenas 11% procuraram as autoridades e 13% recorreram à ajuda de familiares e amigos. Nesses casos, 61% dos agressores eram conhecidos, 19% companheiros e 16% ex-companheiros. A maioria dos casos ocorreu em casa, mas as agressões em lugares públicos também possuem um número alto.

No Campo das Vertentes

No campo das Vertentes, as principais formas de violência denunciadas são os crimes de ameaça, lesões corporais e contravenções penais de vias de fatos (entende-se por contravenção de vias de fato a infração penal expressamente subsidiária, em que o autor emprega violência contra determinada pessoa sem causar lesões corporais ou morte). Segundo a delegada da 15ª Delegacia de Polícia Civil de São João del-Rei, Alessandra Aparecida Azalim, há uma desigualdade no tratamento do homem e da mulher, que é onde atua a lei Maria da Penha: “A gente busca a igualdade, mas a gente tem uma própria lei Maria da Penha, que mostra que se existe essa lei é porque ainda existe a desigualdade”. Ela exemplifica com um caso que ouviu na delegacia: “Essa semana eu ouvi um homem falar assim ‘a igualdade não existe porque o homem também frente a mulher tem um tratamento desigual’, pelo contrário. Se tem a lei, é para buscar a igualdade material”.

A delegada Ana Paula Arruda, da 1° Delegacia Regional de Polícia Civil de Lavras, conta que quase nenhuma mulher que vai até a delegacia registra boletim de ocorrência. “A mulher tem que ser autora da própria história. A mudança está no empoderamento feminino, e não na lei. Enquanto a mulher não for empoderada, nada vai mudar”, afirma.

A agente penitenciária Luana Grott conta que os principais motivos que levam os agressores para a prisão é o envolvimento com drogas, tanto lícitas como ilícitas,  e o ciúme. Ela também fala dos possíveis motivos que levam muitas mulheres a não denunciarem: “O problema maior não tem jeito. A lei tem a supervalorização do homem e a desvalorização da mulher. O que acontece é que muitas dessas mulheres que são agredidas ficam tão fragilizadas que que elas não conseguem reagir”. A agente conta que sempre que vai falar sobre esse assunto ela também fica fragilizada, pois ela se coloca no lugar das vítimas, se sente próxima delas. “Eu, como mulher, como pessoa, dói em mim. Dói porque eu conheço cada um desses indivíduos no local em que eu trabalho, e infelizmente eu os conheço”.

Conscientização

Foi por causa dessa desvalorização feminina que a professora Isabela Saraiva de Queiroz organizou o I Seminário de Enfrentamento à Violência da Mulher. “Sabemos que os índices de violência contra a mulher têm aumentado no país e, conforme o Mapa da Violência de 2015, o Brasil ocupa a incômoda 5º posição em um ranking global de assassinatos de mulheres”, conta ela. O evento  acontecerá no dia 27 de outubro no anfiteatro do Campus Dom Bosco da UFSJ. O seminário contará com uma mesa redonda com a presença de Msc. Daniele Caldas, psicóloga do Centro de Apoio à Mulher – Benvinda (PBH), Msc. Sílvia Adriana Silva, do Serviço de Prevenção à Violência Doméstica (PMMG) e Cláudia Simões, integrante do Coletivo Carcará de São João del-Rei.

Cartaz do I Seminário de Enfrentamento à Violência da Mulher.
Cartaz do I Seminário de Enfrentamento à Violência da Mulher. FOTO: Reprodução

A violência cotidiana

A questão da violência contra a mulher é algo que vem se tornando cada vez mais destaque. Larissa*, estudante da UFSJ, contou a história sobre como passou por um relacionamento abusivo e conseguiu se libertar: “Foi um ano, um mês, e uma semana. E não fui eu que fiz essa contagem. Foi ele”.

No início, Rafael* era muito carinhoso. Levava flores, chocolates (embora ela não gostasse muito do doce), apoiava, ajudava a estudar. Depois de três meses de relacionamento que seu comportamento mudou. Mandava indiretas e tentava induzi-la a frequentar sua casa, o que conseguiu depois de um tempo. Ele passou a se tornar mais dependente dela, dizendo que estava doente e que queria faltar à faculdade. Larissa disse que passou a se tornar “mãe” dele. Mandava-o para o médico, para a faculdade, entre outros. Durante esse tempo, ele também demonstrava não gostar dos amigos dela: dizia que eles não gostavam dele, acusava-os de o excluírem da roda de conversas. Isso começou as brigas entre os dois.

A partir daí, as brigas aconteceram com mais frequência. Sentia ciúmes de todos os homens que falavam com ela, desde primos à namorados das amigas. Ele fazia com que ela acreditasse que era sempre a errada da situação. Ele começou tentar forçar relação sexual, a afastá-la dos amigos, a controlá-la. Mesmo com todas as negativas, as brigas, ele continuou a forçar. E um dia, ele conseguiu. De tanto Rafael forçar, ela acabou cedendo, mesmo sem querer aquilo. Naquele dia, Larissa voltou para casa chorando. Sempre que brigavam, ela se submetia àquilo para parar com a discussão. Um dia ele até bateu nela, em uma noite de carnaval, por causa de ciúmes de um amigo de um primo de Larissa.

Quanto mais o tempo passava, mais abusiva a relação se tornava. Ele invadia suas redes sociais, a mantinha longe de seus amigos, brigava com frequência, abusava dela, vigiava seus passos com rastreador do celular. Chegou a um ponto que ela não aguentou mais. A gota d’água foi quando ele acreditou que ela estava grávida e não a deixou em paz sobre isso. Chegou até a sugerir aborto, coisa que a assustou. Insistiu que ela fizesse um teste de farmácia. Ela fez, e quando deu negativo, ela explodiu. “Deu negativo. E deu um alívio tão grande, que eu joguei tudo na cara dele. Eu joguei o que eu podia, o que eu não podia, o que eu devia, o que eu não devia. E eu gritava”. A partir daquele dia, ela começou a se libertar.

Na semana seguinte, Larissa terminou o relacionamento. Ele tentou contornar o término, mas ela decidiu que não ia mais se submeter aos abusos novamente. Ela o deixou para trás, mas o medo ainda a persegue. Hoje ela namora um outro rapaz, que ela diz ser completamente diferente de Rafael. Larissa disse que se pudesse voltar no tempo, diria para si mesma prestar mais atenção em seus próprios sentimentos. “Se ouve, porque você não está errada. Na hora que seu coração está gritando, ele está gritando, velho. Você não tem que silenciar ele”.

Depois do término, Rafael mandou uma carta e dois DVDs em um envelope. Ela leu a carta, mas nunca visualizou o conteúdo dos DVDs, que estão guardados em algum lugar de seu quarto que ela não lembra mais. Ela queimou todas as evidências do relacionamento, como fotos. A única coisa que ficou foi um dálmata de pelúcia que a mãe de Rafael deu de presente.

*Os nomes foram modificados para preservação da identidade da vítima.

 

Texto/VAN: Clara Mattoso

Colaboração/VAN: Talita Tonso

Foto/VAN: Reprodução

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