Quem achou que era mais fácil uma cobra fumar do que o Brasil entrar na Segunda Guerra se enganou

Registro da última missa realizada na Igreja de Nossa Senhora das Mercês antes da partida dos São-joanenses para a Itália. FOTO: Reprodução
Registro da última missa realizada na Igreja de Nossa Senhora das Mercês antes da partida dos São-joanenses para a Itália. FOTO: Reprodução

 

O dia 5 de maio foi escolhido para homenagear os militares que participaram da Força Expedicionária Brasileira (FEB) durante a Segunda Guerra Mundial. A partir das memórias oficiais e também daquelas submersas pela FEB, pode-­se observar como a experiência de guerra brasileira foi diversa e heterogênea.

Na década de 1940, o Brasil era um país predominantemente agrário, e a maior parte da população vivia no campo. Até então, as Forças Armadas não tinham aeronáutica, contavam apenas com o exército e a marinha, ambos completamente ultrapassados. Em 1941, os países do eixo atacaram os navios mercantis brasileiros. A presença de cadáveres e o cenário de horror no litoral despertaram uma mobilização popular que pressionou o Governo a entrar na guerra.
Além disso, o Estado Novo mantido por Getúlio Vargas enxergava naquela situação uma possibilidade de ganho econômico, militar e, também, político. Após algumas negociações com os Estados Unidos, que já estavam interessados na posição geográfica brasileira, Getúlio consolida de vez as relações diplomáticas com o país.

A atuação do 11º  Regimento de Infantaria de São João del-Rei

Major Ivan conta sobre sua lembranças como expedicionário. FOTO/VAN: Juliana Paravizo.
Major Ivan conta sobre sua lembranças como expedicionário. FOTO/VAN: Juliana Paravizo.

Diante do decreto de guerra e da exigência de Vargas para o envio de tropas ao Velho Continente, os batalhões e os regimentos de infantaria deram início ao recrutamento dos futuros combatentes. O 11º  Regimento de Infantaria, localizado em São João del-Rei, foi fundamental nesse contexto. Além do treinamento dos militares, também se encarregou de transmitir aos civis recrutados os códigos que deveriam ser incorporados para a luta.

Segundo a São-­joanense e também historiadora militar da Força Aérea Brasileira Virgínia Mercedes Guimarães Carvalho, “o 11º  R. I não era voltado necessariamente para a região, tinha um contexto mais amplo, era algo a nível nacional. Algumas pessoas vinham do nordeste para serem treinadas, depois seguiam para o Rio de Janeiro, onde, posteriormente, embarcavam em direção à Itália”.

Entre os combatentes enviados, estava o Major Ivan Esteves Alves, de 94 anos.  “À medida que fui vendo a costa do Brasil ficar para trás, o Cristo Redentor mais distante, me deu um nó na garganta que quase morri sufocado”, confessa. Ao chegar em território italiano, o Major declarou que foi surpreendido pela miséria daquele local, pois não era algo apenas material, mas também moral. “Diante do desespero alheio, presenciei até mesmo pais negociando seus filhos em troca de comida”, declara.

Alguns militares atravessaram o Atlântico, enquanto outros permaneceram no Brasil para proteger o litoral, que estava sob uma possível ameaça alemã. Ao contrário do que é tido no imaginário popular, estes também enfrentavam adversidades constantes. Embora não estivessem num combate, viviam a angústia de um ataque iminente. Além disso, os praieiros, como eram pejorativamente chamados, contavam com uma reduzida infra­estrutura, pouco amparo militar e com uma logística de guerra precária.

O VALOR DAS MEMÓRIAS

Banda do 11º Regimento de Infantaria na Época da Guerra. FOTO: Reprodução
Banda do 11º Regimento de Infantaria na Época da Guerra. FOTO: Reprodução

A distinção entre os militares que foram para os campos de combate e aqueles que ficaram em território nacional gerou uma espécie de memória seletiva sobre a guerra.  “Esse grupo de pessoas que ficou no Brasil foi brutalmente desprezado pela memória coletiva daqueles que foram para o solo europeu, fato que promoveu uma diferenciação entre os militares. Veterano é ex-combatente, mas nem todo combatente é ex-veterano”, disse Virgínia.

Durante suas pesquisas, historiadora encontra jornais denunciando os torpedeamentos sofridos pelo Brasil. FOTO: Reprodução
Durante suas pesquisas, historiadora encontra jornais denunciando os torpedeamentos sofridos pelo Brasil. FOTO: Reprodução

Em razão da diversidade de experiências vivenciadas nesse período, a historiadora ressalta que temos uma memória de guerra heterogênea. “As vivências não se restringiram ao combate, ao tiro, à bomba. Isso é quase que uma tentativa de equalizar a nossa história militar com a história militar europeia, das grandes batalhas”. 

As histórias de guerras são múltiplas, assim como a identidade e a experiência dos sujeitos que a enfrentaram. Há aqueles que foram preparados, que largaram a enxada  pelo fuzil, que deixaram suas famílias. Há aqueles que tinham a expectativa de atravessar um oceano e (quase) todos tiveram a vida completamente modificada pela guerra.  Para a historiadora, o 11º R.I foi muito importante na formação de todos os combatentes, uma vez que despertou um sentimento coletivo de pertencimento; uma das formas mais simbólicas de identificação.

Em 2015, os alunos do curso de Jornalismo da Universidade Federal de São João del-Rei, que atualmente estão no 5º período, fizeram um radiodocumentário sobre o tema. Ouça!

FIM DA GUERRA

Após o término dos conflitos, o som da Maria Fumaça anunciava o retorno dos pracinhas à São João del-Rei. A vitória sob as angústias, os medos e as batalhas em prol do coletivo concedia a esses homens o título de herói. A recepção tumultuada denunciava a gratidão e a ansiedade pelo regresso.

 

TEXTO/VAN: Juliana Paravizo

 

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