‘’[…] por mais que sejam lugares diferentes, tem essa unidade do angelical, mas do profano também […]. É tensionar a memória do presente e do passado, criando uma linguagem a partir daquilo que já existe.’’

Por Alice Vitorino, Júlia Diniz e Yanni Santana

Reprodução: Instagram – Bruno Henrique de Souza

A exposição “Relato Além da Memória”, do artista plástico são-joanense Bruno Henrique de Souza, acontece até o dia 30 de junho, gratuitamente, na Casa do Barão de São João del-Rei, na Rua Padre José Maria Xavier – Centro.

Com uma coletânea de quadros que mesclam o olhar periférico da cidade com a religiosidade local, Bruno conta um pouco sobre suas inspirações e aspirações com a exposição:

Quais foram suas origens e como elas impactaram sua relação com o mundo artístico?

“Tenho 21 anos e sou do Tijuco daqui de São João del-Rei. Tenho uma relação com a arte desde muito novo. Essa inspiração é muito próxima de mim. Minha mãe é artesã e meu pai é pedreiro. Então, sempre tive muito contato com o trabalho manual, artístico, construtivo. Ficava desenhando nos cadernos artesanais que minha mãe produzia. A inspiração familiar é recorrente no meu trabalho, até porque, quando comecei a pintar, pegava álbuns de família e pintava retratos do meu vô, da minha vó. Então, minhas referências reais são quem está perto de mim. Quando tinha uns 10/11 anos, passei a olhar mais para o meu redor, coisas que não tinha visto antes, outras referências, escutar outras músicas, entrar em contato com outros tipos de cultura e comecei a me identificar. A princípio, desenhava mais no papel, tentava representar um pouco do que sentia e não conseguia falar muito bem, além do que eu vivia. A minha relação com o desenho e com a pintura tem muito do real com o imaginário, do abstrato com o visível.”

Como ocorreu esse processo de transição do desenho para a pintura?

‘’Comecei a pintar sem ter uma base técnica, experimentando mesmo, até com tintas velhas. Depois fui conversando com um pessoal e aprendendo técnicas, vivendo e indo com o que eu tinha, sem me prender a um método específico. Tem que dar o primeiro passo, sem se prender!’’

Quanto aos tons nas pinturas, algumas mais saturadas e outras mais acinzentadas, como é essa escolha de paleta?

‘’Essa identidade do azul e do amarelo bem saturado foi uma coisa que percebi que já era um elemento que eu gostava desde os primeiros quadros. As mais coloridas representam um momento mais expansivo. Já quando venho para as cores um pouco menos saturadas é uma experimentação de olhar para a realidade tal como ela é e tentar representar um pouco disso, com a paleta mais reduzida, mais introspectiva. Tem muito a ver com o momento que estou, tem pinturas de 2019 a 2023. Elas possuem tons diferentes, técnicas diferentes, mas em algum momento têm uma conexão, seja pela paleta de cores ou por essa linguagem de querer passar um pouco do cotidiano, um pouco do imaginário. A partir da pintura quero construir coisas que sejam lembradas num futuro, construir uma memória, além daquilo que eu lembro.’’

Foto: Júlia Diniz

Como foi chegar até aqui, com uma exposição individual e tão autêntica? Quais são os desafios para que isso ocorra?

‘’É muito importante ocupar locais institucionais para entender que a arte pode estar em diversos lugares, tanto numa instituição como na rua, numa galeria, e alcançar diversas pessoas por esses lugares. Há uma burocratização de colocar uma exposição em cartaz que vai além de pintar. Mas, quando a gente expõe, a gente mostra para as outras pessoas que é possível estar ali. Por mais que tenham dificuldades para fazer, é possível. Comecei a pensar sobre em dezembro para acontecer em abril, mas teve que adiar para maio. Algumas coisas mudaram, outras se mantiveram. Quando penso em expor, penso muito em adequar ao máximo à arquitetura do lugar como as coisas se encaixam. Isso impõe também uma seleção – muita coisa que eu queria trazer e não trouxe.’’

Qual sua percepção sobre o cenário da região das Vertentes em relação à arte?

‘’Tem muita gente boa fazendo, mas não há valorização. Na parte de ser valorizado financeiramente, vejo isso muito defasado. Muita gente indo embora para conseguir viver disso (da arte). Mas está se construindo uma cena aqui, só que é lento.’’

Houve algum comentário que alguém que perpassou a exposição te marcou? 

‘’Uma amiga minha passou. Ela olhou para um quadro e falou que nunca tinha se visto em um quadro. Ela estava até com uma planta na mão, tirou foto e tudo. Penso na arte muito como a gente poder se ver nos lugares, se ver representados. Os melhores feedbacks são de crianças, já dei algumas oficinas e colocar um pincel na mão de uma criança e ver ela eufórica com aquilo é uma forma de mostrar para ela que é possível (fazer arte).’’

Como você percebe esse processo artístico, de criar, expor e se colocar para o mundo? 

‘’Essa exposição é um processo em aberto, não é algo concluído. Já expus em Tiradentes também e, quando exponho, é me abrir um pouco para o mundo e dar um vazão para continuar produzindo, nunca é fechar o processo. Pretendo levar isso para outros lugares também.’’

Para finalizar, qual seu objetivo com a exposição e produção artística?

‘’O ponto central é construir um novo imaginário a partir da criação de imagem, de que é possível você estar em certos lugares quando criam iconografias que remetem a algo mais sacro. Eu sempre morei em São João, então vejo muito isso das igrejas, dos anjos, do barroco e nunca se parecem comigo, com as pessoas que convivo. É sempre uns anjinhos muito europeus.

Quando eu trago isso da aréola para um menino que está de meia e chinelo na beira de uma estrada, nessa série que todos compartilham um lugar comum, um território comum, um cenário em comum, por mais que sejam lugares diferentes, tem essa unidade do angelical, mas do profano também, com roupas mais contemporâneas. É tensionar a memória do presente e do passado, criando uma linguagem a partir daquilo que já existe.

Tem muita coisa surpreendente no cotidiano que às vezes a gente não vê, mas quando se pinta é uma forma de materializar e deixar de ser só memória. As coisas não são eternas, mas é uma forma de ‘eternizar’, fazer com que dure um pouco mais, dar uma vida maior para aquilo.’’

Foto: Júlia Diniz

Para conhecer um pouco mais do trabalho de Bruno, acesse https://linktr.ee/bruno.hsouza ou entre em contato pelo Instagram, em @brunosouza.h.