Todo mundo devia nessa história se ligar, a caça aos Zés e aos Chicos
Era trabalhador, pegava um trem lotado. Tinha boa vizinhança, era considerado. E todo mundo dizia que era um cara maneiro. Outros o criticavam porque ele era funkeiro. Os versos da famosa canção de MC Bob Rum traduzem bem os perfis de dois irmãos cariocas, Zé Caveiros da Silva e Chico Cunha da Silva.
Zé e Chico moram no Complexo de Favelas do Alemão. Todos os dias, acordam cedo para vender balas e doces nos sinais de trânsito da zona sul da capital carioca. Mas, na sexta-feira, 2 de outubro de 2009, os irmãos pegaram sua melhor camisa e foram rumo à praia de Copacabana. Juntaram-se a milhares de pessoas na torcida para que o Rio de Janeiro ganhasse o direito de sediar os Jogos Olímpicos em 2016.
A disputa seria acirrada, o Rio de Janeiro disputava com três cidades do chamado primeiro mundo: Madri, Tóquio e Chicago. Mesmo assim, por volta de 10 horas da manhã, veio a notícia tão esperada. Após a quarta tentativa, a cidade brasileira iria sediar os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos em 2016. Em Copacabana, os irmãos Silva e toda aquela multidão explodiram de emoção. A alegria foi ainda maior, pois a cidade sediaria dois anos antes, a final da Copa do Mundo de Futebol.
Terminada a festa em Copacabana, Zé e Chico voltavam para casa planejando ir ao maior número possível de eventos nos Jogos Olímpicos e também na Copa do Mundo. Já sonhavam em estar no Maracanã em 2014. Queriam ver o Brasil campeão mundial e com o inédito ouro olímpico dois anos mais tarde.
Nem mesmo a frustração por não assistirem a nenhum evento dos jogos pan-americanos em 2007 tirava a esperança dos jovens. Na época do maior evento esportivo do continente, os garotos ainda não trabalhavam, e os ingressos estavam muito caros. Esperavam que a Copa do Mundo e as Olimpíadas fossem eventos para o povo, como anunciavam os governantes cheios de orgulho.
Os anos se passaram e os irmãos Silva seguiam vendendo suas balas e doces pelos semáforos cariocas, planejando participar da Copa do Mundo e das Olimpíadas. Em 2013, Empolgados com a vitória brasileira sobre a atual campeã mundial, Espanha, na final da Copa das Confederações, Zé e Chico tentaram comprar ingressos do primeiro lote para assistir ao mundial de futebol, encontraram entradas muito caras, fora da realidade de um trabalhador brasileiro. Era o começo da caça aos Zés e aos Chicos.
Mesmo com os altos preços, os jovens trabalhavam dia e noite, para tentar participar de alguma forma do evento pelo qual se dizia que o futebol voltaria para casa. Mesmo assim não foi possível, os ingressos eram caros. Restou aos Zés, aos Chicos, aos Silvas assistirem à Copa do Mundo em casa. Domingo de sol, manhã do dia 13 de julho de 2014, os irmãos saíram para jogar o seu futebol. Enquanto isso, muita gente que sequer sabia o que é futebol se preparava para ir ao Maracanã. Nesse dia, o que viram foi Mario Götze dar à Alemanha seu quarto título mundial.
Nem mesmo o fato de ficarem fora da Copa do Mundo desanimou os irmãos Silva. Eles continuaram sua rotina, só que com dificuldades para venderem suas balas. Dizem que uma tal de crise econômica diminui as vendas. Além disso, Zé e Chico estão com mais gastos, cada um já tem o seu filho. Agora, além de funkeiros, são pais de família. Mas nem as dificuldades diminuem as esperanças deles em acompanharem os Jogos Olímpicos junto com a família.
Até que enfim chegou 2016, o tão esperado ano olímpico. E já elegeram o maior inimigo dos jogos. Esqueceram o andamento das obras, o custo ou a preparação das instalações esportivas, limpeza da Baía de Guanabara ou o trânsito do Rio de Janeiro. Escolheram um mosquito transmissor do Zika vírus e Chikungunya, para representar a ameaça principal à realização do evento. E, a partir daí, começaram a caça desenfreada aos inimigos, querem matar o Zika e o Chikungunya.
Mas será mesmo que a organização do evento não quer eliminar na verdade, os Chicos, os Zés e os Silvas? Vão dizer que querem fazer a maior olimpíada da história, mas não querem que essa estrela brilhe para todos.
TEXTO/VAN: João Henrique Castro