Dificuldades do campo provocam a evasão de jovens que preferem trabalhar nas cidades

Por Luana Longatti e Nathália Siqueira

Em um país onde o agronegócio trabalha para o exterior, é a agricultura familiar que coloca comida na mesa da grande maioria dos brasileiros. Afinal de contas, se o dólar é mais valorizado do que o real, por que os grandes produtores pensariam em vender para o mercado interno? O fato é que, em 2021, o Brasil se concretizou como o quinto maior exportador agrícola do mundo, segundo a Organização das Nações Unidas, deixando, na enxada do pequeno agricultor, a responsabilidade de alimentar seu povo. Embora o Censo Agro mais recente mostre que a agricultura familiar está presente em 77% dos estabelecimentos rurais, seus lucros representam apenas 23% de toda a produção agropecuária brasileira. 

Empregada no setor agro, mas sendo minoria na renda nacional desse departamento, quem sofre é a maioria da população rural, que, muitas vezes, trabalha além da costumeira jornada de 40 horas semanais para conseguir um sustento básico no mês. Como esse tipo de produção lida com o trabalho em família, diversos jovens se sentem na necessidade de auxiliar os pais ou responsáveis para que a produção seja um pouco mais satisfatória. Porém, outros jovens que não pertencem a esse círculo familiar também costumam trabalhar nesse sistema, recebendo “por dia” – em valores que geralmente se aproximam dos 50, 60 reais. Na maioria das vezes sem carteira assinada, eles desenvolvem serviços braçais e auxiliam os agricultores autônomos “faça chuva ou faça sol”. Foi o que aconteceu com o jovem Breno Santos (19), que trabalhou durante três anos na zona rural de Coronel Xavier Chaves. Hoje em dia, após exercer serviços pesados nas culturas de milho, mandioca e mexerica, ele é ajudante de pedreiro, trabalho que também exige bastante disposição física, mas que, de acordo com Breno, “é um serviço bem melhor”.

Em busca de outros horizontes

Muitos desses jovens, que desejam sair da área rural para trabalhar nas cidades, encontram como alternativa o estudo da Agronomia e da Zootecnia, por exemplo. É o caso de  Paulo Roberto Nascimento (26), que teve uma vivência rural durante sua juventude e, por influência da família, se formou como agrônomo. Hoje, Paulo atua em uma loja de insumos agrícolas, realizando vendas e consultorias para os produtores. “Sobre a forma de trabalhar, eu sempre preferi uma empresa de referência até mesmo para ganhar mais experiência”, diz ele, que desde cedo já sonhava em trabalhar em uma empresa consolidada. De maneira bem semelhante, F.B. (21), estudante de Zootecnia da UFSJ, afirma que, no futuro, pretende trabalhar em uma grande empresa – mais especificamente na produção de ração.

Embora a vontade de deixar as dificuldades do campo ainda seja forte na região, alguns jovens não querem abandonar suas raízes, decidindo permanecer no meio rural e, inclusive, se especializar na área, para, quem sabe, fornecer auxílio aos pequenos produtores que conhecem desde crianças. Fabiana Jaques (25), por exemplo, cresceu vendo seu pai utilizar adubação química, e, com a posterior formação em agronomia, o ensinou aos poucos que a agroecologia era um caminho possível e rentável. Atualmente, a agrônoma é uma das produtoras integrantes da Associação de Agricultura Familiar e Agroecológica de São João del-Rei (AAFAS), que existe desde 2017 e conta com 15 associados. 

Cuidando da casa

Um dos lemas da AAFAS é a agroecologia, ou seja, o cultivo agrícola como um olhar constante sobre a terra e suas necessidades, manejando o espaço de forma sustentável sem interromper os ciclos que já ocorrem na natureza. Para isso, a Associação aceita apenas os agricultores que atendem a alguns requisitos, como o cuidado com o lixo e com o esgoto, a não-utilização de agrotóxicos, o respeito à biodiversidade e às áreas de preservação, a garantia de direitos aos trabalhadores e o cumprimento do Plano de Manejo Orgânico. 

Com a união dos trabalhadores, a Associação vende os produtos em seu site oficial (https://aafas.instabuy.com.br/), oferecendo uma alimentação saudável a um preço acessível, visto que o cultivo agroecológico não está sujeito às variações de insumos agrícolas, como o aumento do preço de adubos e agrotóxicos.

Ao ser questionada sobre a presença juvenil na AAFAS, Fabiana comenta que é a única produtora nessa faixa etária, mas informa que alguns associados contam com seus filhos de vinte e poucos anos. Para ela, o futuro da agricultura familiar, em especial da sustentável, pode estar na divulgação desse trabalho de formiguinha: “eu tenho expectativas que mais jovens possam se interessar pelo campo, principalmente para ajudar na extensão rural de qualidade e no acompanhamento técnico, que muitos produtores não têm condições de pagar. A partir do momento em que esses meninos veem perspectiva de melhora da condição financeira e da qualidade de vida para continuar no campo, eles podem seguir por essa opção. A gente não pode obrigá-los a continuar no campo, mas devemos ajudar para que isso se torne uma opção de vida para eles”.

Independentemente de ter começado a vida nessa região de tantas dificuldades, aquele que tem contato com a terra não consegue se desprender dali facilmente. O cheiro da chuva na poeira definitivamente não é igual a quando ela cai no asfalto, e é exatamente por isso que o incentivo à permanência rural deve vir acompanhada de oportunidades. Para o jovem ter o desejo de continuar no campo – perpetuando uma produção necessária para o dia a dia de todas as famílias brasileiras -, ele precisa de uma assistência pública bem planejada. Assim, quem sabe, ele queira se manter na casa que sempre conheceu sem se sentir pressionado a sair da roça para “viver de verdade”.