Sob as pedras da Serra
Tiradentes tem como principal fonte de renda o turismo, mas a boa fama da cidade esconde um historico de exploração e desrespeito aos trabalhadores do terceiro setor.
A cidade de Tiradentes tornou-se um dos centros do mercado cultural e turístico do país nos últimos anos. Segundo a última categorização do ministério do turismo de fevereiro deste ano, a cidade divide com Camanducaia, no extremo sul do estado de Minas Gerais, o topo do turismo nacional. A agenda de eventos para todos os períodos do ano, reúne estrelas nacionais no Festival de Cinema de Tiradentes, e mestres da culinária de todo o mundo para o Festival de Gastronomia e Cultura. Ambas são abrigadas pelo município de pouco mais de 7 mil habitantes. Para fornecer esses serviços porém, as pousadas, restaurantes e estabelecimentos têm por trás uma agenda de exploração do trabalhador que em nada combina com o glamour que é vendido nos cadernos de cultura.
Apesar da nova CLT trabalhista ter estreitado as relações entre empregador e empregado, o trabalho informal ainda lidera na cidade com a contratação de trabalhadores como freelancers. De acordo com a contadora Marcela Agostini após a aprovação da reforma trabalhista, houve sim ganhos para as empresas, que passaram a ter mais abertura para negociar acordos trabalhistas, acordos rescisórios e terceirizações. Ainda segundo ela, para ser empresário no Brasil não é uma tarefa fácil, decorrente do país ter uma das maiores cargas tributárias do mundo, uma justiça trabalhista que muita das vezes não analisa o cenário como um todo e acaba dificultando a vida do empregador. Por outro lado ela ressalta que apesar de ser necessário reformular alguns aspectos para que seja viável empreender no Brasil, não se pode esquecer o outro lado, onde os empregados fartos de seus patrões que não dão condições adequadas de trabalhos e salários dignos, perdem a força sindical que auxilia na busca por tais direitos. A linha tênue seria um denominador comum que não prejudique e nem favorece nenhum dos lados, o que segundo ela infelizmente está longe de acontecer.
Apesar de ficar mais frequente durante os festivais, fora deles a realidade não é muito diferente. De acordo com Maria Pereira*, os funcionários do estabelecimento em que ela estava empregada, chegavam a trabalhar mais de 14 horas seguidas durante os finais de semana. Fato também citado por Júlia Wanick, que permaneceu por um mês em um restaurante no centro histórico da cidade. Ela realizava dupla jornada de trabalho, e não recebeu adicional noturno. A prática de reter a carteira sob o argumento de uma possível contratação também acontecia com frequência: “Cheguei no lugar com um acordo de contratação para o segundo mês de trabalho, minha carteira de trabalho já havia permanecido com a contadora do estabelecimento. Quando completou 1 mês, não recebi nenhum adicional noturno e a notícia que eu seria dispensada no próximo mês. Quando fui indagar o dono do restaurante sobre o adicional noturno e os 10% que não havia recebido, fui tratada aos gritos com desrespeito dizendo que ele não pagava pra quem não tinha carteira assinada, em seguida me devolveram a carteira”. A constituição federal prevê em seu 7º artigo, inciso IX, que são direitos dos trabalhadores, além de outros, remuneração do trabalho noturno superior à do diurno. Considera-se noturno, nas atividades urbanas, o trabalho realizado entre as 22 horas, de um dia, e as cinco horas do dia seguinte.
PROJETO DE GOVERNO BOLSONARO E LEIS TRABALHISTAS
A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), colocada em vigor por Vargas, foi uma conquista da classe trabalhadora, sendo uma resposta do governo populista da década de 40 à insatisfação popular.
Em seu plano de governo, o presidente eleito, Jair Bolsonaro, pouco fala de reformas trabalhistas. Em apenas três parágrafos, ele sugere a adesão à “Carteira Verde e Amarela”.
Para o advogado Jean Soares, a proposta a Carteira de Trabalho Verde e Amarela “atende aos parâmetros da constitucionalidade”, uma vez que prevê a manutenção das garantias constitucionais. “Contudo”, ressalta Jean, “não vejo aplicabilidade à medida, considerando-se que a Reforma Trabalhista já procedeu a relativização dos contratos de trabalho e priorizou a prevalência do ‘negociado’ sobre o ‘legislado’”.
Outra proposta de Bolsonaro é o fim do vínculo obrigatório a um sindicato predefinido. Seu plano prevê que o trabalhador possa escolher uma associação a qual se filiar. Para Soares, o número de associações pode crescer. “O Brasil já tem mais de 17 mil sindicatos, sendo tal quantidade mais que suficiente a abranger as categorias existentes. Com a proposta do presidente eleito, tal número, ao menos inicialmente, tende a aumentar, sendo este um viés negativo da proposta, ao meu sentir.”
Jean acredita que, de forma geral, a proposta de mudança da legislação sindical será positiva para o trabalhador, “considerando-se que a concorrência pode realmente fazer com que muitos sindicatos ofereçam atividades e maiores benefícios concretos”, mas alguns aspectos devem ser levados em consideração.
“Dada a situação de superioridade de recursos do empregador sobre os empregados, estes poderão ver-se obrigados a aderir a sindicatos menos vantajosos e, conhecendo o Brasil, até mesmo vinculados e financiados de maneira escusa pelo patronato”, completou.
Porém, ainda de acordo com Jean, a proposta, no tocante ao ponto sindical, é inconstitucional, uma vez que depende de emenda à Constituição Federal para sua implementação, por ir de encontro ao artigo oitavo da mesma, que trata da livre a associação profissional ou sindical, mas não se trata de cláusula pétrea. “O presidente eleito terá que ter bom trâmite nas duas casas do Congresso Nacional (Senado Federal e Câmara dos Deputados) para conseguir o necessário quórum qualificado e aprovar a emenda”, finalizou.
Veja o que já disse Bolsonaro, a respeito do trabalhador e CLT:
— “O trabalhador terá que escolher entre mais direito e menos emprego, ou menos direito e mais emprego”; entrevista ao Jornal Nacional, da Globo, em 28 de agosto.
— “O 13° salário do trabalhador está previsto no art. 7° da Constituição em capítulo das cláusulas pétreas (não passível de ser suprimido sequer por proposta de emenda à Constituição). Criticá-lo, além de uma ofensa à quem trabalha, confessa desconhecer a Constituição”; em tweet resposta a fala de seu vice, General Mourão, que havia criticado pagamento de 13º e adicional de férias.
— “É difícil ser patrão no Brasil. Eu podia ter uma microempresa no Rio. Dadas as condições que existem na lei, você é desestimulado. Acho que no campo a CLT tinha que ser diferente. O homem do campo não pode parar no Carnaval, sábado, domingo e feriado. A planta vai estragar, ele tem que colher. E fica oneroso demais o homem do campo observar essas folgas nessas datas, como existe na área urbana”; quando questionado, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, sobre como lidaria com o desemprego no campo.
— “Quem recebe Bolsa Família é tido como empregado. Quem não procura emprego há mais de um ano é tido como empregado. Quem recebe seguro-desemprego é tido como empregado. Temos de ter uma taxa não de desempregados, e sim de empregados. Não tem dificuldade para ter isso aí e mostrar a realidade para o Brasil”; em entrevista à TV Bandeirantes, no dia 5 de outubro.
REFORMA DA CLT: O que mudou em um ano ?
Completam-se um ano em que a reforma trabalhista entrou em vigor, uma das principais propostas da bancada Michel Temer. O projeto que levantou muita polêmica e grandes discussões e vem sendo atualizado constantemente, mesmo um anos após seu início formal.
A ideia em fazer grandes mudanças na CLT, e de forma rápida, tanto na época da proposta, quanto nos dias atuais, é apoiada com grande força no campo empresarial e tem uma alta taxa de resistência dos sindicatos. O novo capítulo começou a ser escrito com a chegada de Temer e seus aliados, alegando o intuito de atualizar as leis e diminuir a burocracia que envolve o setor de contratações. Para isso, foram elaboradas diversas modificações na legislação que prometiam mudar a forma na qual patrões e funcionários pudessem chegar a um contrato formal, mesmo tendo uma negociação mais aberta, tudo para diminuir a grande parcela da população que se encontrava desempregada ou em situação irregular.
O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) foi um órgão criado em 2013, pelo Ministério do Trabalho e Emprego e deve controlar as admissões e demissões de empregados sob o regime da CLT que ocorrem no país. O mesmo oferece um serviço online para consulta de dados e pode ser acessado via internet a partir do site do ministério do trabalho.
Fizemos um levantamento de dados e podemos concluir que houve um aumento de 6,05% na contratações formais em todo o Brasil, e tais mudanças não foram significativas em um país que quase 13 milhões de pessoas continuam desempregadas, onde se veem obrigadas a recorrer a trabalhos informais e precários. Mesmo sendo alterados mais de 100 pontos na lei, Minas gerais teve somente 70 mil admissões comparado ao mesmo período do ano anterior, e ainda foi um dos estados que mais criou empregos com carteira assinada, mas, maioria dos estados fecharam a conta no negativo ou não houveram mudanças significativas. Confira no infográfico abaixo:
Na cidade de Tiradentes entre o período de Dezembro de 2016 a Setembro de 2017 quando a CLT ANTIGA estava em vigor, foram admitidos 695 pessoas, e 756 foram desligadas. No mesmo período de 10 meses com a nova CLT: foram 657 admissões e 652 desligamentos, apontando que mesmo com a grande quantidade de mudanças, não foram suficientes para resolver o problema do desemprego e aumentar o número de contratações formais de funcionários, enquanto dados do IBGE, comprovam que o trabalho que mais cresce é o informal, tendo uma alta influência na queda do desemprego.
O diretor de base do sindicato da CEMIG em São João Del-rei, João Francisco Prado El- corab representa sua categoria na sede em Belo Horizonte, onde ocorrem constantes reuniões para debater o assunto. Ele nos conta que houve uma mudança radical no rumo das políticas do país e toda resistência feita na eleição, bem como toda estratégia de atuação das entidades, sofreram um choque inesperado
Texto/VAN: Agnes Reitz, Cid Bruno, Letícia Nara e Rafael Martins
Foto/VAN: Cid Bruno