Racismo em pauta: A tinta da sua caneta foi nosso sangue negro
Coletivo de Lavras realizou o Terceiro Encontro do Orgulho Crespo.
No domingo último (15), aconteceu o Terceiro Encontro Lavrense do Orgulho Crespo, evento organizado pelo Coletivo homônimo. O subtema do encontro – “A tinta da sua caneta foi nosso sangue negro” – faz alusão ao ensino incompleto da história negra, especificamente a história afro-brasileira, nas escolas do país. A proposta é dar visibilidade à cultura, à história e à beleza negras. Além disso, é objetivo do Coletivo recontar a história afro sem enaltecer figuras como a Princesa Isabel, enquanto o papel protagonizado por guerreiras e guerreiros negros foi e continua sendo negligenciado na luta pela Lei Áurea.
O evento contou com oficina de estêncil e turbante, dicas de maquiagem para pele negra e penteados afro (sem alisamento), apresentações musicais e de dança, sorteio de brindes, dicas cinematográficas e de leitura sobre o tema, entre outros. Para Rodrigo Mathias Inácio, morador da cidade que foi ao evento, o movimento é muito importante para promover a reflexão e a conscientização. “Aqui em Lavras tivemos muitos relatos de racismo ultimamente. É essencial mostrar a importância do negro, porque nós somos, sim, fortes e resistentes”, comenta.
Bianca da Silva Andreas e Pauliana Cristina Zito, estudantes de Nutrição e Agronomia na Universidade Federal de Lavras (UFLA), respectivamente, afirmaram que esse tipo de evento incentiva as crianças a se aceitarem. Se, desde pequenos, conhecerem a sua história e origem, aprenderão a amar quem são e não o que a mídia impõe. “O bacana é que o evento é aberto para todo mundo, principalmente para comunidade. Não é só sobre o cabelo, é sobre incentivar as pessoas a serem o que são mesmo”, afirmou Pauliana.
“Nesta edição não tivemos apoio da prefeitura de Lavras. Como consequência dos cortes de verba da UFLA, a Reitoria não pôde nos ajudar. Contudo, não desistimos e montamos um plano de patrocínio, fomos atrás de possíveis apoiadores e realizamos o evento com êxito”, conta Zulu Cleyson, um dos organizadores do evento.
Que abolição foi essa?
Vágner da Silva Batista, estudante do sétimo período de direito da UFLA, integrante do Coletivo Orgulho Crespo e um dos organizadores do evento, falou com a VAN UFSJ sobre o movimento negro e suas pautas. De acordo com ele, a cultura e a religião do negro não são valorizadas. Mulheres e homens afrodescendentes sofrem tratamento inferior, tanto no mercado de trabalho quando em diversos outros âmbitos.
Por isso, o movimento negro, de maneira geral, incluindo o Coletivo, começou a indagar esse lugar de fala e pertencimento. “Que abolição foi essa, sem políticas públicas posteriores, sem problematizações?”, questiona o estudante. Vágner ainda reiterou que os negros querem que o seu espaço seja respeitado, que sua história seja valorizada e a história do Brasil seja ensinada, estudada e vista de forma crítica.
O estudante falou sobre os movimentos raciais dentro do contexto sociopolítico atual e afirmou que os primeiros passos do presidente interino Michel Temer mostram que o governo não vai estar aberto para movimentos sociais, raciais e LGBTT. “A democracia está sendo desrespeitada. Se você desrespeita a democracia, desrespeita esses sujeitos que estavam tendo espaço para ajudar a construir um país plural. Você percebe isso quando ouve as falas dos deputados na defesa do impeachment. As famílias que eles homenageiam não são as nossas famílias, é uma elite, um determinado padrão”, justifica.
Por sua atuação, o Coletivo Orgulho Crespo também influencia o movimento estudantil, pois defende as cotas raciais e o sistema público de educação de qualidade. O grupo afirma que o racismo está apenas mascarado na sociedade como um todo.
A funcionária da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Márcia Macara de Oliveira, e mãe de um integrante do coletivo, contou sua experiência. “Muitos negros não conhecem o movimento e se sentem menores. É importante termos esse espaço e falarmos do negro, da beleza, do cabelo, porque o racismo está em toda parte. A gente ouve coisas como “até tenho um amigo negro”. A verdade é esta: o negro incomoda”.
Orgulho Crespo
A ideia do primeiro encontro do grupo Orgulho Crespo surgiu em uma conversa dos estudantes da UFLA Zulu Cleyson e Pablo Diego, nos primeiros dias de setembro de 2015. “Estávamos conversando sobre o Afropunk, que é um evento de empoderamento negro nos EUA. Ficamos dialogando sobre isso e decidimos fazer algo parecido em Lavras”, contou Zulu.
Assim, eles criaram um evento no Facebook, programando o encontro para o dia 7 de setembro. Em poucos dias, a iniciativa repercutiu e mais pessoas se agregaram à organização: Isadora Oliveira e a Laíssa Ferreira. Com o sucesso do primeiro encontro, os organizadores movimentaram-se para a criação do segundo, que foi realizado no dia 28 de novembro, em comemoração à consciência negra.
A terceira edição, que aconteceu no dia 14 de maio de 2016, contou com o auxílio organizacional de Vágner Silva, Jhenifer Lima e Fernada Senna. Este ano, o Coletivo problematizou a Abolição da Escravatura no Brasil. O grupo Orgulho Crespo está iniciando em breve a criação de projetos para a educação escolar na cidade de Lavras. Para mais informações, entre em contato com o grupo pela página Encontro do Orgulho Crespo, no Facebook.
TEXTO/VAN: Talita Tonso