Por que filisteus falam em nome de Deus?
Um plano sinistro que favorece o personalismo político promete levar o país a um empobrecimento político sem precedentes.
Não é de hoje o ingresso das igrejas evangélicas na esfera político-partidária. A cada ano seus representantes no congresso aumentam e se organizam em torno da chamada Bancada Evangélica. Estes homens têm grande poder para interferir nas decisões que afetam o futuro do Brasil. Há uma unidade na pauta entre eles e personalidades históricas suspeitíssimas que, inclusive, foi determinante no golpe que depôs a ex-presidente Dilma Roussef.
A cada ano, crescem denominações pentecostais que chegam a contratar assessoria política para orientação de estratégias eleitorais. Um projeto de poder estruturado e explícito, que mais do que protagonizar o crescimento do conservadorismo, engessar avanços e retirar direitos civis e constitucionais, dão sustentação ao Congresso mais corrupto de todos os tempos, segundo especialistas da área.
Ironia ou não, de acordo com dados obtidos no site Transparência Brasil, a maior parte dos parlamentares da bancada evangélica são alvos de processos na Justiça Eleitoral e no Supremo Tribunal Federal (STF). Os crimes vão de peculato, passando por improbidade administrativa, sonegação de impostos, até formação de quadrilha, abuso do poder econômico em eleições e reprovação de prestação de contas nos Tribunais de Contas de estados, municípios e TREs de seus estados de origem.
Ainda no início deste mês, o deputado federal Cabo Daciolo (Avante-RJ) protagonizou um vídeo na internet em que parece ser atingido por um raio de coerência (ler esta última frase com ironia). Depois de abandonar a Bancada, o parlamentar fluminense classificou os ex- companheiros de parlamento como sua “maior decepção” na Câmara dos Deputados. “Falta de compromisso e alianças que não condizem com homens e mulheres de Deus”, lamentou.
Não quero aqui levantar bandeira para Cabo Daciolo, expulso do PSOL depois de propor uma emenda constitucional para alterar o parágrafo primeiro da Constituição Brasileira de “todo poder emana do povo” para “todo poder emana de Deus”. Ele mesmo só foi eleito em 2014 oportunamente ao ganhar notoriedade durante a greve dos bombeiros no Rio de Janeiro, em 2011. A fala dele me chamou atenção por ir de encontro à descrença dos eleitores na Bancada Evangélica.
Uma pesquisa qualitativa coordenada pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) sobre as atitudes políticas dos fiéis participantes da 25ª Marcha para Jesus (em junho), mostrou que 76,9% dos pesquisados não se identificam com partido político, nem com lideranças da bancada evangélica. Os entrevistados também mostraram uma expressiva rejeição a propostas apoiadas pelos membros, tais como as reformas trabalhista e previdenciária. A maioria respondeu, inclusive, que “não confia” em políticos historicamente ligados aos “homens de Deus”.
Ora, os pseudos carolas parecem saber que suas carreiras podem estar no fim. Nesse sentido, acredito que Daciolo tenha apenas abandonado o navio numa estratégia meio que atrapalhada. Diferente de seus comparsas de bancada, que se organizam em torno da Reforma Política e, friamente, trabalham para o aprofundamento do processo de empobrecimento político que vemos hoje.
Trata-se do chamado Distritão. Segundo essa proposta, já aprovada em relatório na semana passada, os parlamentares serão eleitos com base na quantidade de votos em cada Estado. Se passar no final de todo processo, a nova lei eleitoral acaba com o sistema proporcional, em que há os chamados “puxadores de votos”, como o deputado Tiririca (PR-SP), por exemplo, um dos mais bem votados nas últimas eleições (veja aqui como é feita esta conta).
O novo sistema parece justo à primeira vista, não é mesmo? Talvez, mas acontece que a justiça não é questão de matemática simples. A realidade em que o Brasil se encontra hoje, com o personalismo político, as discussões a cada dia mais polarizadas, a falta de credibilidade partidária e o sinistro Congresso BBB (Bíblia, Boi e Bala), faz da tão almejada Reforma Política um roteiro de filme de terror sem final feliz para o Brasil. No mundo, hoje, poucos são os países que usam esse sistema. Só para se ter ideia, estou falando da Jordânia e do Afeganistão.
No “Distritão”, os partidos perdem força. As eleições para cargos executivos e legislativos são transformados em grandes palcos que favorecem ainda mais a aventura de celebridades em posições políticas. Não será cobrada uma trajetória na vida pública com grandes ações sociais em prol da coletividade, mas apenas uma boa campanha de marketing. Convencer um eleitor, trazer à tona as principais pautas nacionais, como deve acontecer em um grande processo eleitoral, será coisa do passado. Tudo que se precisará é de um bom marketeiro e votos.
É bem verdade que a Bancada Evangélica está apenas querendo institucionalizar a tendência que se tornou mais explícita nas últimas eleições. Mas não é hora de deixar a cidadania que há em nós se apagar e permitir que estes homens continuem a protagonizar verdadeiros espetáculos de horror, como foi a votação que determinou a não investigação dos crimes do presidente ilegítimo Temer. Na ocasião, o líder da Bancada Evangélica, Takayama (PSC – PR), chegou a dizer que quem mandou votar a favor do ilegítimo foi Deus. Mas a voz do povo não é a voz de Deus? Se cerca de 93% dos brasileiros queriam Temer investigado, segundo o Vox Populi, a que voz Takayama tem realmente ouvido?
TEXTO/VAN: Daniela Mendes