Pessoas que (r)existem
APAC São João del-Rei: 14 anos de busca pela humanização do sistema penitenciário
Por Alice Vitorino e Maria Beatriz Garcia
Revisado por: Samantha Ellen de Souza
A Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (APAC) de São João del-Rei completa, em 2022, 14 anos desde sua fundação. A instituição, localizada às margens da BR 265, propõe à comunidade uma alternativa ao sistema penitenciário tradicional, por meio de ações de justiça recuperativa, que visam proporcionar integridade física e moral à pessoa privada de liberdade.
De acordo com o fundador e atual presidente da APAC, Antônio Carlos de Jesus Fuzatto, em 2008, cerca de 57 pessoas foram convidadas para cumprir o período de reclusão conforme o método apaqueano, que envolve a profissionalização e a assistência do indivíduo. Hoje, a organização acolhe cerca de 430 pessoas e conta com diversas oficinas de trabalho e aprendizagem de ofícios, como marcenaria, serralheria, artesanato e panificação. O espaço fornece também acompanhamento médico, odontológico e psicológico aos rerecuperandos.
-“Nos anos 70, na época da ditadura, eu fui preso. Foi muito difícil. Então, eu quis dedicar a minha vida à causa. A APAC é uma grande política pública. O sistema comum prende usando revólver e cachorro. Aqui, tem amor, e a pessoa é tratada como gente”, relata Fuzatto.
As atividades
A Lei de Execução Penal determina que o sistema penitenciário deve proporcionar condições para a harmônica integração social da pessoa privada de liberdade. Sendo assim, o cumprimento de pena, na APAC, é norteado por 12 elementos, considerados princípios fundamentais. Dentre eles, destacam-se o trabalho, a cooperação entre os recuperandos, o vínculo com a comunidade e com a família, bem como a espiritualidade e o voluntariado.
Nessa perspectiva, de acordo com Fuzatto, a educação é prioridade na associação, uma vez que o processo de remissão das penas e de recuperação do indivíduo passa pelo ensino e pela capacitação profissional. De acordo com o Ministério da Justiça, 61% da população carcerária brasileira não concluiu o ensino fundamental, sendo que 10% sequer teve acesso à escola.
O recuperando da Unidade Masculina da APAC Gustavo Silva* relata que, quando ingressou na instituição, havia frequentado apenas até a 6° série do Ensino Fundamental. Hoje, ele concluiu o ensino básico e estuda para prestar o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), para cursar Engenharia Elétrica.
-“Quando você proporciona acesso à educação para o indivíduo, você toca a projeção de vida daquela pessoa. Ela vai se ver capaz de sair da condição em que estava antes”, ressalta a pesquisadora e cientista social Taísa Maria Laviani.
Mestranda do programa de pós-graduação da Universidade Federal de São João del-Rei, Laviani desenvolve na Unidade Feminina da APAC oficinas de produção de fanzines, meios independentes de comunicação voltados para a reflexão, o fazer manual, a criatividade e a autoralidade.
O futuro
Deiviane Oliveira, membro do setor administrativo da APAC, afirma que, na associação, o cumprimento da pena tem por objetivo proporcionar autonomia, dignidade e amparo à pessoa privada de liberdade. Dessa forma, a filosofia e o trabalho da instituição partem da ideia de que ninguém é irrecuperável. De acordo com Fuzatto, o índice de recuperação, na APAC, é de 85%.
O fundador e presidente da associação são-joanense ressalta, ainda, que o funcionamento da APAC enquanto alternativa ao sistema carcerário tradicional é marcado por dificuldades. Para ele, garantir que o Estado disponibilize políticas públicas e combater o preconceito enraizado na sociedade são grandes desafios. “O preconceito é muito difícil. (…) O nosso papel é garantir que a pessoa saia daqui de cabeça erguida”, afirma Fuzatto.
Laviani reforça também a importância de espaços como a APAC, que trabalham para fortalecer a autoestima, a confiança e a dignidade de pessoas em cumprimento de pena: -“Temos que começar a pensar práticas de liberdade, e não práticas de punição e correcionalismo. Temos que criar formas de desaprisionar as mentes e o sonhar”.
-“A APAC muda muita coisa não só para a gente, mas para a nossa família também. Quando eu estava em outro presídio, minha avó tomava vários remédios controlados. Hoje, ela não toma nada. Minha mãe fala que a felicidade dela é poder deitar tranquila, porque sabe que eu estou bem”, relata Gustavo Silva*, recuperando da APAC.
*Para preservar a identidade dos recuperandos, foram usados nomes fictícios na reportagem.