Os microcosmos d’A Manada
Músicos uniram-se para reivindicar melhores condições de trabalho e fortalecer a cena em SJDR
No início de 2016, surgiu, em São João del-Rei, A Manada. O Coletivo reúne músicos atuantes na cidade que decidiram se mobilizar para reivindicar melhores condições e criar novas oportunidades de trabalho. Aos poucos, suas ações vêm alterando a realidade local, beneficiando tanto os membros do Coletivo quanto músicos que não fazem parte do grupo.
Membro fundador d’A Manada, Yuri Vieira conta que a ideia surgiu entre amigos que trabalhavam nos mesmos lugares e compartilhavam das mesmas bandas ou projetos. Também destaca que, desde o momento de sua fundação, o Coletivo entendeu que, além de lutar para melhorar sua condição nos locais onde já atuava, também seria necessário criar novas oportunidades para os músicos. “A gente não ia conseguir melhorar de vida só com isso, a gente teria que criar novas alternativas, para ser mais autônomo na produção das próprias coisas”, avalia.
Democratização da agenda do Coletivo
Analisando as agendas dos estabelecimentos da região nos três meses que antecederam à fundação do Coletivo, os membros observaram que as bandas pertencentes à Manada eram responsáveis pela maioria das apresentações. Assim, decidiram que, daquele momento em diante, negociariam em conjunto com os proprietários, ficando responsáveis pela organização dos eventos. Surgiu também a ideia da criação de uma agenda do grupo, que organizasse de maneira mais democrática as datas já preenchidas.
Membros d’A Manada, Marcelo Alfaro e Thales Pereira explicaram o modo de funcionamento e o porquê da agenda. A princípio, surgiu a ideia de organizar um calendário que determinasse uma ordem de apresentação, uma espécie de “fila”, nas palavras de Marcelo. O objetivo prático dessa iniciativa, de acordo com Thales, é democratizar a agenda, de forma a garantir que todas as bandas tenham as mesmas oportunidade de se apresentar e expor sua música ao público.
Ações que movimentam a cena
A Manada iniciou suas atividades no carnaval deste ano. Desde então, vem desenvolvendo ações que têm como objetivo produzir eventos que movimentem a cena na cidade e possibilitem o intercâmbio entre músicos locais e de outros municípios. No âmbito interno, o Coletivo realiza eventos como o “Baile Black do Sagatiba” e o “Rolê d’A Manada”.
Marcelo destaca a “Quarta autoral” como um dos projetos mais importantes do grupo. “É a ideia de primeiro escolher uma quarta-feira, que é um dia em que o músico raramente está trabalhando, e abrir um espaço para que ele consiga mostrar as composições próprias. Isso para as pessoas conhecerem o que tem sido produzido de novo”, explica. A “Quarta autoral” já foi realizada 17 vezes, sempre contanto com compositores diferentes, alguns, inclusive, de fora de São João.
A respeito das ações de âmbito externo, Marcelo afirma que ainda são bastante recentes, mas que já geram bons resultados. Dois bons exemplos são o “Circula a Manada”, realizado uma vez em Lavras, e o “Troca solidária”. Ambas as iniciativas têm como objetivo criar oportunidades para os membros do coletivo tocarem fora de São João del-Rei e também trazer para a cidade músicos de outros municípios.
Yuri afirma que, desde o início, o Coletivo teve a capacidade de entender o que estava ou não ao seu alcance em determinado momento, e que isso foi fundamental para o sucesso de suas ações. Thales destaca que, no processo de produção de eventos, é importante colher tudo como aprendizado. “Fazer do jeito que dá, ver a série de erros que vão acontecer; os resultados negativos, positivos e pronto: vamos aprender a fazer um evento melhor no próximo”, salienta.
Diversidade estética das bandas do Coletivo
A Manada é formada por 25 membros e 12 bandas. A princípio, surgiu mais como um coletivo de bandas que de músicos, como conta Yuri. Não existe uma orientação estética única que seja comum a todos os projetos, mas há uma proposta de dar à luz tipos de sonoridades que destoem daquelas que hoje tomam conta do mainstream.
Algumas bandas têm ideias mais claras de gênero, como a Sabatiba, que mergulha no universo da música soul brasileira; a Zênite, uma banda de rock’n’roll, e a Respeita Januário!, que explora sonoridades da música nordestina, como o baião. Outras não se apegam a essa questão de gênero e possuem um repertório vasto e mais heterogêneo. É o caso da banda À Rita.
A banda Cifras no Varal realiza o projeto “Roda dos Orixás”. A respeito dele, Marcelo fala à VAN: “A gente fez uma imersão no universo da música afro-brasileira. Começamos, cada um à sua maneira, a estudar os ritmos africanos, entender quais sãos suas diferenças, percebemos como eles estavam presentes na música brasileira”. A Cifras já possui material gravado e prepara-se para lançar um EP de quatro faixas.
Gestão horizontal e coletiva
O Coletivo organiza-se de maneira horizontal; ou descentralizada. Essa forma de organização implica na valorização de todos os membros e de todas as ações realizadas, garantindo que todos contribuam para o desenvolvimento dos projetos. Como afirma Yuri, a única regra é não ficar à toa.
De acordo com Marcelo, outra iniciativa fundamental do grupo foi reduzir ao máximo os custos da produção de eventos, distribuindo entre os próprios membros do Coletivo as funções que antes seriam terceirizadas. Uma vez reduzidos os gastos com essas etapas da produção, tornou-se possível pagar um preço mais justo aos músicos e também separar uma porcentagem da verba para a “caixinha”, a fim de ser utilizada em eventos futuros.
Comunicação com outros músicos locais
Os membros d’A Manada dizem ainda ter dificuldade de comunicação com outros músicos locais. De acordo com Thales, o Coletivo é pouco procurado e tem como prioridade estruturar-se internamente para depois dialogar com aqueles que estão de fora. “A gente ainda não chegou nesse ponto de poder realmente estar em contato e expandir o processo, porque a gente ainda não conseguiu resolver isso internamente”, conta.
Thales ainda acrescenta que as conquistas do Coletivo beneficiam todos os músicos que atuam nos mesmos ambientes. Aos poucos, a iniciativa está mudando a realidade são-joanense para melhor. “A partir do momento em que a gente se reuniu com algumas casas [de shows], propôs e conseguiu melhorias para quem faz parte do Coletivo, depois de um tempo, naturalmente, essas melhorias estavam expandidas para todos os demais músicos que trabalham na casa”, explica.
O músico também reforça que o Coletivo não é capaz de abraçar todas as questões que envolvem o cotidiano dos colegas de profissão. A cena é prolífica, heterogênea, e, ainda que atuando no mesmo ambiente, artistas distintos passam por problemas diferentes. “Há várias pessoas fora do Coletivo. Algumas, às vezes, se sentem excluídas. Nada impede que, observando o movimento de criação de um coletivo, elas se juntem com pessoas e criem outro que atue na mesma cena, articulando outras propostas ou as mesmas propostas de maneiras diferentes”, completa.
Marcelo enfatiza que A Manada atua em um microambiente e incentiva o surgimento de outras iniciativas semelhantes na cidade. “Se cada músico, dentro daquilo que tem em comum, começa a se organizar, a condição melhora para todos. Então, a ideia do coletivo é trabalhar no micro para gente chegar no macro, e não querer abraçar a cidade inteira para tentar melhorar uma coisa que aqui no pequeno não está melhorando ainda”, avalia.
TEXTO/VAN: João Vitor Bessa