Por Ana Cláudia Almeida, Isabela Franco, Rafaela Nery e Tomaz Jaeger

“Todo o segredo de um sucesso esportivo está na escola.”                                                           -L. Tardin

É de conhecimento geral que, incentivando atitudes de  perseverança, foco, determinação e trabalho em equipe, o esporte é uma poderosa ferramenta de molde do comportamento humano, principalmente se praticado desde a infância. Apostando nisso, mais uma edição dos Jogos Escolares Municipais (JEM) ocorreu no começo deste mês, em São João del-Rei, apresentando uma novidade em relação ao handebol.

A modalidade, não muito tradicional no país, após um sumiço no torneio, voltou a ter times aptos a competir. Um leve aumento de sua popularidade na região reacendeu a esperança não só dos que agora praticam este esporte, mas também daqueles que torcem e vivem dele há bastante tempo. 

Partida de handebol entre os Colégios Tiradentes e Atus, no JEM 2025.
Foto: Reprodução/Atlética CTPM SJDR

O handebol no Brasil

Introduzido no país na década de 1930 por imigrantes europeus, o handebol foi se transformando e adquirindo mais estrutura ao longo do tempo. Criada somente em 1979, a Confederação Brasileira de Handebol (CBHb) se encarrega de promover o esporte no Brasil, por meio da organização e regulamentação de ligas e competições estaduais e nacionais em diversas categorias. 

Atualmente, apesar do crescimento das seleções feminina e masculina em nível internacional, com participações constantes em Campeonatos Mundiais e Jogos Olímpicos, e do alcance de conquistas históricas, a modalidade ainda enfrenta desafios. Além da invisibilidade na mídia,  estrutura e investimento limitado em clubes, a falta de incentivo nas escolas é um fator determinante para sua baixa popularidade.  

Para Lucas Tardin, atleta universitário de handebol, a presença enraizada de esportes mais tradicionais no cotidiano da população, aliada a desafios socioeconômicos de muitos jovens esportistas, torna complexo o crescimento do handebol. Segundo o mineiro de Bicas, com uma mentalidade culturalmente ignorante acerca dos benefícios do esporte em geral, a ausência de apoio familiar e governamental perante às grandes distâncias para um treinamento especializado de alto nível é um outro entrave a ser considerado. “Se você faz um projeto de acompanhamento de um possível atleta, você vai ter esse menino lá nas Olimpíadas. Por exemplo, eu tenho um menino que é muito bom de handebol em São João. Onde ele vai fazer testes? O cara tem que ir para São Paulo. Então, assim, está muito fora da realidade. E quando você tem poucas opções, acaba que concentra muitas pessoas e falta oportunidade”, diz. 

Lucas Tardin em partida de handebol do Intercampi UFSJ 2024. Foto: Reprodução/Atlética Brutus UFSJ

O handebol em âmbito escolar

Nos dias atuais, muito há de ser discutido sobre a esfera esportiva escolar, principalmente em relação à disparidade econômica entre instituições públicas e particulares. Lucas Tardin, também técnico escolar e universitário, aponta a valorização financeira do profissional de educação física e o suporte a um projeto sólido como as soluções ideais para o desenvolvimento pleno, a longo prazo, de qualquer modalidade: “Quando a gente vai falar da maioria que são as escolas estaduais, municipais, aí já é um problema de política pública. Porque, por exemplo, o professor está lá dando aula de educação física, mas ele não é obrigado a treinar uma equipe de handebol. Para isso, seria necessário a contratação de um profissional que vai trabalhar exclusivamente com equipe de treinamento.”. Ele ainda reforça a importância do investimento público no geral e do debate dos fatores sociais envolvidos na problemática. “É muito difícil a gente falar da valorização do handebol se a gente não tem nem quadro direito em escolas. É legal, a gente até está vivendo uma ampliação do ‘hand’, mas é muito nas redes particulares, porque a pública não está”, conclui.

Diante dessas dificuldades na região das Vertentes, após um período em baixa, o handebol voltou a ganhar espaço nas escolas em 2022, especialmente com o time feminino do Colégio Tiradentes da Polícia Militar (CTPM). Essa retomada teve como figura central o atual secretário de esportes de São João Del Rei, Ericson da Silva. Formado em educação física pela Universidade Federal de Lavras (UFLA), o também conhecido como ‘Neneco’ tem raízes antigas e afetivas com a modalidade. Ex-treinador do extinto time municipal, ele carrega uma trajetória marcada por dedicação e resistência à frente do esporte. Seu vínculo como técnico começou nos treinos para o JIMI de 1988, seguiu anos mais tarde com a introdução de uma escolinha de handebol no Clube América Recreativo e, depois, culminou na criação de uma nova equipe no colégio militar.

Ericson e algumas medalhas conquistadas ao longo de sua trajetória. Foto: Rafaela Nery

A proposta de Silva era simples, mas ambiciosa: colocar o handebol de volta no radar das escolas. Dentre uma série de obstáculos enfrentados, ele indica como o principal a falta de uma base esportiva sólida  na educação física. “Muitas alunas chegaram ao time sem um repertório motor diversificado, o que limitou não apenas o desempenho esportivo, mas também o desenvolvimento corporal essencial para outras áreas da vida”, comenta. 

Após meses de planejamento e cumprimento de um cronograma de treinos bem definido, o time feminino “Panthers” do CTPM conquistou o título Estadual de 2024 nos Jogos Escolares Alferes Tiradentes (JEAT). 

Time “Panthers” do CTPM após conquistar o título Estadual 2024. Foto: Reprodução/CTPM

Sobre o JEM

Uma convivência saudável com a prática esportiva traz ensinamentos capazes de serem aplicados em nossas vidas de muitas formas. Baseando-se nisso, o JEM (Jogos Escolares Municipais) anualmente tem enriquecido a experiência escolar de inúmeros jovens e crianças de São João del-Rei.

Realizado sob organização e planejamento da Secretaria Municipal de Esportes e da Superintendência Regional de Ensino, o evento reúne alunos-atletas das escolas municipais, estaduais e particulares, contribuindo para a integração social e o progresso do esporte estudantil do município.  

Servindo como uma seletiva para os Jogos Escolares de Minas Gerais (JEMG), a edição de 2025 agitou alguns pontos da cidade histórica com disputas de modalidades como basquetebol, futsal, handebol, voleibol, vôlei de praia e xadrez. Como método de organização, os estudantes participantes, com idades entre 12 e 17 anos, foram divididos por naipe (masculino e feminino) e módulo (Módulo I: nascidos em 2011/2012/2013; e Módulo II: nascidos em 2008/2009/2010). 

Como incentivo para um maior conhecimento da cultura são-joanense e integração com a região, a abertura deste ano ocorreu na Estação Ferroviária da cidade, onde os atletas inscritos no campeonato embarcaram na tradicional Maria Fumaça, com destino à cidade de Tiradentes (MG). 

Introdução de crianças e jovens no handebol

Com o moderado crescimento da modalidade na região, uma maior atenção é dada às práticas de treinamento e ao desempenho dos atletas, que, majoritariamente, estão ativos no âmbito escolar. Como toda modalidade abrange praticantes de diferentes idades, há uma diferença nas abordagens impostas nos treinos, conforme explica o técnico Lucas: “A ideia é tentar fazer jogos lúdicos para entenderem o handebol (…) Tem que ter muita cautela para pegar crianças e colocá-las em um estresse de jogo. (…) Já os mais velhos têm uma vivência diferente e já estão quase saindo da escola, então eu consigo colocar eles nesse ambiente de estresse, eles pegam mais rápido as técnicas e as questões táticas do handebol”.

A popularização e ampliação do número de praticantes  do esporte também ocasiona uma mudança na performance dos atletas, no sentido de melhores condições para treinar. Constantes investimentos em estrutura nas redes privadas, têm claramente evoluído o nível de jogo dos alunos esportistas.  “As escolas que estão participando do handebol (no JEM) estão investindo pesado em estrutura, quadra, técnico, material e elas estão tendo resultado (…) Isso já é sim um avanço considerável (visto os anos anteriores na região).  É óbvio que é melhor  ter escolas tentando tocar o handebol, do que não ter nenhuma”, afirma Tardin.

O futuro da modalidade em São João Del Rei 

O progresso do handebol na cidade é algo em pauta há algum tempo, mas o caminho exige um longo planejamento. A ideia de formar equipes locais para todas as modalidades já é considerada, porém, o custo-benefício ainda é um desafio para o poder público. Segundo a Secretaria Municipal de Esportes, entre as propostas em discussão estão não apenas a realização de campeonatos municipais, abrangendo todas as faixas etárias e promovendo a interação entre os atletas, como também  a criação de políticas públicas que impulsionam a prática contínua do esporte, tornando-a parte da rotina da população. Em resumo, Ericson ressalta a importância do financiamento do handebol, especialmente no ambiente escolar: “É nas escolas que o interesse pelo esporte começa e onde está o maior potencial de formação de atletas. Para o esporte crescer tem que ter investimento”, afirma.

Nessa ótica, diante dos desafios e das conquistas já alcançadas, o futuro do handebol na cidade depende do fortalecimento das iniciativas locais, políticas públicas e do apoio das instituições.