Na contramão do mundo
Fundada em 2005 pelos jovens Bruno Nogueira e Richardson Carvalho, a Comunidade Eterna Misericórdia busca acolher pessoas que estão nas ruas de Lavras e recuperá-las para que possam voltar ao convívio social. A Comunidade abriga hoje 32 pessoas em sua sede, que está em construção, porém o intuito é acolher 80 pessoas.
Tudo começou quando os adolescentes, Bruno e seus amigos, se questionaram sobre sua vida confortável, enquanto os outros na rua não tinham nada. “Ele participava ativamente da igreja, só que não conseguia aceitar aquela situação de participar e voltar pra casa e ter cama, comida, ter tudo e essas pessoas não terem nada. Aquilo surgiu como uma incógnita para eles, que resolveram começar um trabalho para ajudar essas pessoas nas ruas de Lavras”, contou o missionário René Maciel que hoje em dia, juntamente com Bruno, vive em prol da casa.
Com o tempo o trabalho ajudando as pessoas nas ruas de Lavras ganhou reconhecimento e eles conseguiram alugar uma casa para receber esses desabrigados e melhor atendê-los. “As pessoas começaram a ajudar e acreditar no trabalho até que conseguiram alugar uma casa, que foi financiada na época pela Rose Morais, que viu o trabalho, gostou e pagou o aluguel; assim começaram a acolher as pessoas”, prossegue René.
Porém sempre esteve na cabeça de Bruno criação de uma sede própria para a instituição, a fim de melhorar o atendimento aos desabrigados.
Por isso, sabendo de um terreno venda, ele procurou o dono para saber o preço que, na época, era de 100 mil reais; como não tinha o dinheiro ele pediu um tempo para arrecadar essa quantia. Durante esse prazo o dono do terreno procurou saber quem era a pessoa que queria adquirir o imóvel e ficou impressionado com o trabalho realizado. Então, resolveu chamar Bruno para uma conversa. “O proprietário perguntou quanto o Bruno tinha no bolso naquele momento. O que ele tinha era uma moeda de um real, que o proprietário lhe pediu e disse que estava vendendo o terreno por esse valor; não estava doando, mas estava vendendo por um real”, relatou René. Hoje a Comunidade está em construção e são os próprios acolhidos que fazem o trabalho da obra.
Quando chegam à comunidade seja por indicação da sociedade ou abordados nas ruas, os acolhidos são submetidos a um questionamento sobre o interesse de permanecer na casa e de serem ajudados. Lá eles recebem comida, roupas, são encaminhados para médicos, dentistas são conduzidos a reuniões de Alcoólicos Anônimos (AA) e Narcóticos Anônimos (NA) e, como na maioria das vezes essas pessoas não tem documentação, são orientadas para recuperá-los.
Assim sendo, a comunidade busca reestruturar o indivíduo para que ele possa voltar ao convívio social. O tempo estipulado para essa recuperação dentro da casa é de nove meses, mas pode variar dependendo da pessoa, como disse René.
Lúcio Orlando da Silva que hoje em dia é um funcionário da Comunidade relembrou como sua chegada à comunidade foi diferente e o quão importante sua estada e recuperação ajudou-o a voltar ao convívio familiar:
– “Eu tinha brigado com a família e estava na rua usando drogas, fazendo coisa errada; estava com um cachimbo de crack e cinco pedras no bolso; acontecia um retiro espiritual na igreja, eu vi aquilo e fui lá, comecei a gritar que não era prá estar aqui, ai René me trouxe prá cá”; e completa:
– “Não sabiam quem eu era, pois eu não tinha documento não tinha nada, nem família mais”.
Já recuperado e vivendo com a família Lúcio comenta:
– “Foi uma maravilha, restaurei minha família e hoje trabalho; não sou um acolhido mais eu volto prá casa e cuido da família”.
João Batista da Cruz que mora na comunidade há dois anos e meio conta que depois de ficar viúvo resolveu ir para o seminário, mas como era analfabeto e teria que começar “lá de baixo” resolveu ir morar na Comunidade para ajudar:
– “A gente procura ter os acolhidos como filhos, abraçando, beijando como um familiar da gente, porque aquilo que eles não conseguiram lá fora eles tem que encontrar aqui dentro”.
René explica que a vontade de ajudar ao próximo sem pedir nada em troca vem desde muito novo para ele, porém só percebeu a razão disso tudo quando foi morar em uma comunidade para cuidar de crianças carentes; e lá tudo se encaixou:
– “Acolhendo aquelas crianças, o prazer de estar ensinando a elas, alimentando isso me preenchia e não me faltava nada; ai eu vi que as coisas do mundo que as pessoas tanto buscavam, para mim não fazia tanta falta; o que eu queria estava ali”.
Na Eterna Misericórdia, René está há dois anos e resume o que é ser missionário:
– “A missão do missionário é justamente andar na contramão do mundo”.
TEXTO/VAN: Cláudia Maria
FOTO: Site Comunidade Eterna Misericórdia