Mão Terra
Por Geovana Nunes
Quando eu nasci, meu pai era carpinteiro. E quando ele nasceu, meu avô era carpinteiro. Quando meu avô nasceu, seu pai era carpinteiro. E quando o pai do pai do meu pai nasceu, seu pai era carpinteiro. Nossa família tinha grandes narinas sensíveis ao cheiro da serragem. Dedos calejados e alguns não tinham um ou outro dedo.
Meu pai e todos os pais antes dele também eram pescadores, também plantavam milho, arroz, feijão, mandioca e cana. Faziam móveis de madeira nobre que aquelas pobres pessoas que não podem ficar no sol (senão vira camarão) adoravam sentir e sentar em cima. Gostavam das folhas talhadas nas gamelas, mas não pareciam pensar muito nas folhas que caíam da madeira entalhada.
A gente pensava. Pensava em cada bicho que matava, para que a barriga não matasse a gente. Pensava em cada machadada que fazia o braço doer. Ou no barulho da motosserra ou no ranger da serra sabre. A gente pensava sempre nos dedos que vínhamos perdendo. E como a colheita era pior sem eles.
Tive uma penca de irmãos. Todos carpinteiros. Todos bichos de mato. Bichos de água.
Meus netos e meus sobrinho-netos…só usam as árvores para subir e comer. Cavucam a terra só para esconder tesouros e depois encontrar eles. Têm dó dos peixes e devolvem eles para a água. Não têm força para remar o barco e nem pele judiada de sol.
Acham “maneiro” cansar os polegares no telefone. Será que dá pra perder o dedo sem serra?
Eles não pensam nas árvores que caem. Nem nos bichos que morrem. Não pisam na terra. Estão sempre de tênis, em cima da moto. Carregando comida pronta. Comida que não foram eles que fizeram. Comida que vem sem o nome do dono. Não é o pão do nhô Josué. É um trem estrangeiro, que eu não sei falar o nome.
Coisa muito, muito estranha. Porque quem compra também não é nome. É “número do pedido”. Meus netos não são mais “ele é neto do Raimundo”. Agora eles são o “menino que entrega no restaurante Fogão de Casa”.
Que casa é essa? Eu não sei. Nunca vi.