Na cidadezinha não tinha bons mercados, tudo que o menino encontrou foram cinco maçãs fuji, velhas e com estragadinhos, escolheu a melhor. Perto dalí, na roça, o pai até plantava muitas coisas, mas ia tudo embora, pra bem longe. Aquele menino, o caçula, amava ir pra escola, fugia o quanto era possível da “ajudinha” aos pais, nas horas vagas. Não era nem de perto o melhor aluno, mas tinha todo potencial para ser. Naquele dia, assistindo um programa de auditório, o rapazinho descobriu que era “dia dos professores” e não tirou aquilo da cabeça.

Segunda-feira, depois de carregar aquela maçã no sol – mais amarela do que vermelha – o menino entrou na sala onde toda turma do “tio Ismael” estava reunida. O professor jovem, recém formado em pedagogia, era o único “homem” do corpo docente e enfrentava mais preconceito do que os alunos “diferentes”. Tio Ismael demorou uns bons segundos pra processar a imagem do pequeno, cabisbaixo, colocando aquela maçã em cima da mesa dele. “Olha! Muito obrigado…”

Antes que terminasse de agradecer, a turma iniciou um alvoroço incontrolável. Eram gargalhadas, vaias e gritos, fazendo o menino diminuir trinta vezes o seu tamanho por dentro, com o coração apertado. Mantendo uma postura diferente, o professor olhou para turma, sem expressão, deixando ela silenciar aos poucos. Todos notaram a profundidade no olhar castanho do mestre. O silêncio absoluto de cinco segundo cortou pior que uma faca. “Washington, é pelo dia dos professores?” Respondendo Ismael, a criança fez que sim com a cabeça, deixando a mostra os olhos cheios d’água e vergonha.

Naquele momento, o responsável por ministrar todas as aulas daquele grupo de pequenos precisou tomar um caminho. Lembrou das professoras que gritavam, que brigavam, que ensinavam errado, também das que só faltava deixar os alunos fazerem fogueira com as carteiras, das que pouco se escutava voz. Eram novos tempos, algo precisava mudar. Ismael olhou para o quadro negro, onde tinha começado escrever tópicos de História do Brasil. Apagou tudo e voltou a olhar pra turma, agora com um sorriso no canto dos lábios.

“Foi interessante, Washington, você me trazer essa maçã hoje. Além de ser a minha fruta preferida, aposto que muitos de vocês já viram essa cena antes, no cinema, na TV, talvez num livro. Aposto, inclusive, que muitos já tiveram essa ideia…” O professor sorria, discursava e caminhava entre as fileiras. O constrangimento do menino com nome difícil se transformou no brilho ofuscante. A maçã, enfim, cumpriu o seu papel.

“Vamos parar um pouquinho o assunto em que estávamos e vamos pensar sobre essa maçã aqui” Ismael ergueu a fruta que já não era tão feia. “Vamos lá, todos produzindo um texto sobre ‘na opinião de vocês, como surgiu essa estória de aluno presentear um professor com uma maçã’, vamos, trabalhando, todos”. Enquanto parte da turma reclamava, relutante, Ismael olhou pro menino sentado lá no fundo – que já escrevia freneticamente no caderno – e sorriu.

 

Texto/VAN: Sagner Alves

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