João nasceu, cresceu e morreu aqui. Aqui onde as vertentes se encontram, onde os sinos cantam. Quando criança, João passava suas manhãs na ponte perto de sua casa. Ficava lá, olhando. Olhava as águas descendo o córrego que cortava a cidadezinha, olhava os cavalos que comiam a grama rala que crescia por debaixo da areia branca às margens do córrego. Olhava as pessoas na praia, como era chamada; felizes. Olhava a vida passar.

O tempo passa e João continua lá, olhando. Tudo em sua volta mudara. A grama rala já não era mais rala. Os cavalos fugiram, as pessoas sumiram. A praia não era mais praia, era córrego. Mas João, assim como a ponte, continuava lá. Olhando, apenas. Via a correria do dia a dia. Via carros e pessoas de um lado para o outro, apressados, sem saber o por que de todo o caos. Seu pai sempre dizia: “A vida aqui é boa e há de melhorar quando o nosso rei voltar. Por isso você é João” , mas João nunca entendera seu pai. Homem forte, fiel e feliz, diferente de todos os outros. Assim, o mistério de seu pai permanecera.

Mais uma vez, o tempo passa. João continua lá, mas agora não está sozinho, ele tem Maria e um Joãozinho. É Joãozinho que olha, da ponte, a vida passar. Olha o caos da vida se intensificar. João diz a seu filho: ‘A vida aqui é boa e há de melhorar quando o nosso rei voltar. Por isso você é João’. Assim como ele, Joãozinho não entende seu pai. O mistério permanece.

Novamente, o tempo passa. Agora Joãozinho é João. E João quase não é mais. Em seus delírios de melancolia, o mistério é descoberto. Ele finalmente entendera seu pai. João diz: “O rei veio me buscar e agora hei de viver e não mais olhar. Eu sou João do Rei, João del Rei. Você é João del Rei. Não apenas olhe a vida passar. Viva. Não deixe para viver quando ele te buscar”. Com a morte de seu pai, João aprendera sua lição e decide começar a viver, realmente.

Pela última vez, o tempo passa. João namorou, casou, viveu. Tem filhos agora, Pedro e Lucas. Ele os ensina a lição que seu pai lhe passou. João os ensina a brincar, a correr, cair, mas também, a levantar. A nunca parar e olhar, somente. João os ensina viver, plenamente. Viver de verdade.

Antes de partir dessa vida, João, já velho e vivido, diz a seus filhos: ‘A vida aqui é boa. O Rei veio me buscar, mas, diferente de meu pai, eu vivi o quanto pude antes de ele chegar. Não cometam o mesmo erro que seu avô. Eu sou João del Rei, mas vocês, não. Vivam profundamente. Vivam como se não houvesse amanhã. Vivam sem arrependimentos do que fizeram e do que deixaram de fazer. Sejam felizes. E quando ele te buscar, lembrem-se: a vida aqui é boa, a vida aqui foi boa’.

 

Texto/VAN: Filipe Reno
Foto/VAN: Ícaro Chaves

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