Rodolfo Rodrigues representa força e complexidade de Madame Satã no espaço da Adro Galeria nos dias 22, 23 e 24 de novembro

Por Gabriela Bastos, Lívia Moreira e Vitor Ramiro

Rodolfo Rodrigues como Madame Satã para a produção “Os Devassos Inquéritos de Madame Satã”.
Rodolfo Rodrigues como Madame Satã para a produção “Os Devassos Inquéritos de Madame Satã”. Foto: Reprodução/Marcius Barcello

Rodolfo Rodrigues traz aos palcos a força e a complexidade de Madame Satã, personagem que inspira seu trabalho de conclusão de curso, baseado nas importantes questões que marcaram a sua trajetória.

A peça Os Devassos Inquéritos de Madame Satã narra a vida de João Francisco dos Santos (1900-1976), mais conhecido como Madame Satã, um ícone da cultura carioca e nacional. Nascido em Glória de Goitá, Pernambuco, João era negro, homossexual e retirante. Fugiu de sua terra natal em busca de sobrevivência no Rio de Janeiro, deixando para trás a fome e a exploração do trabalho.

No bairro da Lapa, núcleo da boemia brasileira, estruturou uma trajetória com sua presença marcante, de coragem e resistência. Madame Satã tornou-se um mito, enfrentando a violência policial, o preconceito e a criminalidade que penetravam o cenário urbano da época.

Herói contracultural

Após realizar uma de suas apresentações na Praça Tiradentes, localizada no centro do Rio de Janeiro, João Francisco dos Santos, aos 28 anos, ao chegar na rua de sua casa, decide parar em um boteco ao lado do sobrado onde morava. “Minha pessoa estava feliz demais naquela noite e por isso realmente eu devia ter desconfiado.”, disse João ao jornalista Sylvan Paezzo.

Ao ouvir insultos e levar um golpe de um policial, João seguiu em silêncio, foi a sua casa sem ao menos fazer sua refeição. Com a ferida já sem sangrar, seu rosto machucado e com as lágrimas já cessadas, voltou para o botequim, desta vez com um revólver e apertou o gatilho. Ao chão se encontrava o policial, sangrando, e sem vida. 

“Deus fez a bala matar, eu só dei o tiro”. João Francisco dos Santos, já conhecido como Madame Satã, foi condenado a 16 anos de prisão, e cumpriu  apenas dois. Por júri popular, foi absolvido pelo reconhecimento de legítima defesa.

Auto-apelidado como “defensor dos injustiçados”, Madame Satã sobreviveu em um período onde ser negro, pobre e gay não era o melhor dos cenários, muito pelo contrário, grande parte da população LGBTQIA+ era fortemente perseguida pela polícia e – em muitos casos – sendo presos por atentado ao pudor. Nesse contexto, João vivia abertamente como um homem gay.

Madame Satã em 1971, estampou a capa do jornal Pasquim, que contribuiu para o reconhecimento do mesmo enquanto ícone da contracultura brasileira.
Madame Satã estampou a capa do jornal Pasquim em 1971, o que contribuiu para o reconhecimento do mesmo enquanto ícone da contracultura brasileira. (Foto: Reprodução/Jornal O Pasquim).

“Madame Satã é considerada no teatro como uma das primeiras drags, que na época não se chamava drag, mas é considerado como uma das primeiras drags que de fato ocuparam o teatro brasileiro.”, disse Rodolfo Rodrigues em entrevista para a VAN.

Dos seus 76 anos vividos, 27 foram em prisões. “A gente tem sempre uma estrela do bem e uma estrela do mal. A minha estrela do mal brilhou muito. Eu dei azar, sempre olhavam pra mim e não faziam fé. Aí, eu como tenho horror a pancada, tinha que brigar”. Madame Satã possuía uma ficha criminal extensa, com acusações que iam de homicídios até furtos. Entre 29 processos, João foi absolvido de mais da metade, e foi na cadeia onde decidiu aposentar sua “navalha”.

Mesmo com sua personalidade sendo conhecida ao redor da vida boêmia carioca e brasileira, Madame Satã foi encontrado como indigente pelo cartunista Jaguar, em um hospital em Angra dos Reis. Recebeu o tratamento adequado e, em abril de 1976, morreu de câncer no pulmão.

“Ele sobreviveu aos anos 20, ele sobreviveu aos anos 30, sobreviveu a Era Vargas, e ele foi morrer de causas naturais em meados da ditadura militar. Para ele, morrer de causas naturais em plena ditadura militar, a gente está dizendo que ele sobreviveu. Aos 75 anos, ele sobreviveu.”, disse Rodolfo, diretor do espetáculo. 


Arte enquanto transformadora social

A declaração do diretor e produtor de Os Devassos Inquéritos de Madame Satã destaca a potência transformadora da arte em contextos adversos. Segundo ele, a estreia da peça em meio ao governo Bolsonaro foi marcada pela adesão de um público diverso em São João del-Rei (MG), incluindo pessoas que desconheciam a história de Madame Satã e, em boa parte, haviam votado no então presidente. “Apresentar esse espetáculo para um público que votou no Bolsonaro e vê-los compreendendo a mensagem da obra é algo revolucionário. É nesse momento que começamos a cumprir nosso papel pedagógico como artistas”, afirmou.

A reação do público reflete o potencial da arte de dialogar com diferentes perspectivas, desconstruindo preconceitos e estimulando debates sobre identidade, resistência e diversidade. A peça, além de homenagear um personagem fundamental da cultura nacional, reafirma a importância do teatro enquanto ferramenta de transformação social.

O espetáculo será apresentado nos dias 22, 23 e 24 de novembro, às 19h, na Adro Galeria, situada na Rua Getúlio Vargas, 154, no Centro de São João del-Rei. Os ingressos já estão à venda e podem ser adquiridos pelo Instagram @adromais ou pelo telefone (32) 99944-3967, com classificação indicativa de 16 anos. Uma grande chance de vivenciar esta performance que resgata uma das figuras mais emblemáticas da história brasileira.