Equipe de futebol LGBTQIA+ são-joanense vive ano de estreia no futebol
Em meio a um cenário com preconceito recorrente, time são-joanense entra na contramão do convencional dentro do esporte
Por: Antônio M. Dias e Christopher Faria
O futebol brasileiro sempre foi marcado pela presença masculina e heteronormativa, definida pela imposição social baseada nos comportamentos esperados para cada gênero. Em São João del-Rei, uma cidade caracterizada pelo tradicionalismo e conservadorismo, o Rajadão Futebol Clube, equipe formada por pessoas que fazem parte da comunidade LGBTQIAP+, surge como uma forma de resistência contra essa estrutura no futebol.
“Por que nós, LGBT’s, somos tão excluídos do futebol?”, foi o mote que incentivou Pablo Jacques a transformar o que começou com peladas entre amigos em algo maior. Pablo é o maior responsável pelas questões burocráticas do time, desde a criação da logo do clube até o design dos uniformes, patrocínios e gestão das redes sociais. Foi ele quem começou a marcar treinos e a perceber que havia muitos amigos que também faziam parte da comunidade e queriam praticar o esporte, mas não sabiam.
O nome do clube foi um consenso entre o time em homenagem ao ícone LGBT Pabllo Vittar e sua música de mesmo nome. “O Rajadão remete a um vento muito forte. A um raio”, Pablo explica. O mascote, o pinguim, vem da ideia de que ele simboliza comprometimento, sorte e equilíbrio – além de que, como conta no Instagram oficial da equipe, a espécie é uma das que possuem relacionamentos homoafetivos entre si.
Vivendo seu ano de estreia, o Rajadão ainda não possui experiências de torneios oficiais, mas tudo indica que o segundo semestre de 2023 vai ser diferente. Inscritos em um torneio totalmente formado de equipes LGBTQIAP+, disputado na capital mineira, a equipe são joanense chega cheia de expectativas para o primeiro torneio e com esperanças para o primeiro título.
Ainda nos estágios iniciais, o clube não possui uma estrutura de equipe técnica completa e não há um processo seletivo para entrar no time. Para participar, não é necessário ter prática no esporte. Pablo conta que, muitos dos atuais membros que entraram no time começaram do zero: “Estamos lá, acima de tudo, para nos divertir”.
Questionado sobre as dificuldades que o time enfrenta, considerando o preconceito existente no esporte, Pablo diz que sente dificuldade em relação a parcerias: “Nem toda empresa quer patrocinar um time que levanta a nossa bandeira”. Ele explica que apoiar o clube não é um patrocínio qualquer; significa que a empresa ou instituição também estará apoiando a causa. “No próximo ano queremos mais patrocínios, parcerias e apoios de empresas públicas e privadas”, explica Pablo.
Contudo, considerando o espaço acolhedor que o Rajadão promove, Pablo também nos conta sobre as felicidades que o projeto já proporcionou. Ele relata que os membros da equipe se sentem bem jogando futebol – fato que não acontecia antes do time devido ao ambiente tóxico do esporte. “Era só pegar a bola que eu era criticado, que eu era vaiado”, relata Pablo sobre sua experiência.
Rafael Oliveira Santos, bisssexual, na equipe a dois meses, conta um pouco também de sua experiência. Filho de um treinador, sempre teve contato com o futebol, mas naquele enfoque machista e hétero. Na infância e adolescência, praticou bastante o esporte, mas na vida adulta acabou se afastando, por não se sentir mais confortável nesse ambiente. “O Rajadão veio em um momento que eu estava muito sedentário e com muita vontade de voltar. O Rajadão me animou muito a voltar a praticar, a ter essa vivência coletiva, com pessoas que você se sente confortável para ser como você é”, conta Rafael.
Richard Adauto Nunes, gay, foi convidado a entrar no time para ser goleiro para o campeonato, e aceitou encarar o novo desafio. “Este campeonato foi incrível, trouxe uma grande experiência para nós e apesar de não termos vencido, sabemos que participar é de grande importância para o amadurecimento do time, servindo, assim, como forma de incentivo a treinar mais e mais”, Richard explica. Ele ainda conta que sente que o preconceito atualmente não é tão forte como antes, porém, relata que ainda ouve algumas falas preconceituosas e comentários homofóbicos disfarçados de ironia. Esse é um sentimento vivenciado também por Sebastian Gonçalves Junior (e por milhares outros).
Sebastian, bissexual, conta que acaba escutando algumas risadas quando o espaço do treino é dividido com outros jogadores. Ele nos contou que entrou no time focado no lazer, com o intuito de se reunir e fazer amizade com mais pessoas da comunidade, mas acabou se afeiçoando ao esporte, com vontade de ganhar condicionamento físico, aprender mais técnicas e participar de mais competições.
Sebastian explica, “Eu fiquei muito feliz com a iniciativa do Pablo em construir um time de futebol LGBTQIAP+ e ser convidado para participar dele. Primeiro porque ocupar os espaços é uma maneira de, mesmo que lentamente, desconstruir conceitos machistas. Segundo, reunir pessoas da comunidade para uma ação que, embora seja muito séria e com intuito de competição, também é um espaço de lazer e de debate das causas que nos afetam, como o afeto entre o mesmo gênero, casamento homoafetivo, adoção… Estando juntos conseguimos conversar melhor sobre esses assuntos”.
Assim, com a ajuda de todos no time, e – esperançosamente – da sociedade, o clube espera crescer nos próximos anos e se firmarem como esse protesto contra o preconceito no futebol. “São raras as pessoas que a gente conhece que não são heteros e que jogam futebol. Então, o Rajadão vem com essa ideia de mover essa estrutura que é tão machista, racista e LGBTfóbica”, finaliza Pablo.