Diálogos dos saberes: Quando será que vai chover?
Por Igor Chaves
Na última semana, segundo dados do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), São João del-Rei registrou níveis de umidade abaixo dos 30%. Essa condição, que se estende por toda a região das Vertentes, caracteriza seca extrema e coloca a Zona da Mata mineira no mapa de alerta da Organização Mundial da Saúde (OMS). A falta de chuva e as altas temperaturas têm conduzido o município e seus arredores para a chamada crise hídrica, condição que, sob uma ótica expandida, pode acarretar a vulnerabilidade da agricultura familiar e a oferta da segurança alimentar e nutricional.
Ainda no primeiro semestre de 2024, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) publicou a cartilha digital “Será que vai chover?: é a tal da mudança climática”, onde colocou em perspectiva a relação do aquecimento global com a distribuição de alimentos no país. Para a entidade, as transformações meteorológicas que estamos enfrentando vêm causando sérios impactos à agricultura, afetando, entre outras coisas, o ciclo de semeadura, e a colheita agrícola é um dos setores econômicos.
O Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima, dentro da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PLANSAN), ainda em 2016, reforçava a intrinsecidade do campo e do clima: “O setor agrícola é um dos mais sensíveis à mudança do clima, pois depende diretamente das condições climáticas, sendo que a ausência de medidas adaptativas pode prejudicar a produção de alimentos e a geração de trabalho e renda no meio rural, com consequências para a promoção da segurança alimentar e nutricional”.
Falar em crise climática é falar em crise alimentar. A agricultura familiar é fundamental não apenas para a subsistência e o sustento direto dos trabalhadores rurais e suas famílias, mas também de cada brasileiro e brasileira. Ela continua sendo responsável pela maior parte da comida que colocamos em nosso prato e, quando em estado de vulnerabilidade, provoca o enfraquecimento de estruturas fundamentais em nossa sociedade. Tanto para a CONTAG quanto para o PLANSAN, uma mudança sistêmica é muito mais que bem vinda.
O PLANSAN aponta a necessidade de uma articulação e integração de diferentes órgãos, ministérios e representantes da sociedade civil, além de um sistema de monitoramento acerca da situação de insegurança alimentar e nutricional, para a promoção de uma adaptação frente ao contexto climático atual. Ele cita a melhoria da gestão da água; a utilização de variedades agrícolas de ciclo curto; a criação de bancos de sementes e de cereais de base comunitária; a adaptação das práticas agrícolas para a conservação da umidade do solo, matérias orgânicas e nutrientes; e a conservação e recuperação da agrobiodiversidade.
O CONTAG enxerga a agricultura familiar como líder na transição dos sistemas agrícolas brasileiros. Devido às suas práticas tradicionais de manejo sustentável e diversificação de culturas, o cultivo “amigo do clima”, o modelo possui um grande potencial, mas ainda carece de apoio de políticas públicas e incentivos. “Pode-se estimular mudanças que transcendem a recuperação da biodiversidade local, promovendo a qualidade de vida e a economia sustentável por meio da geração de oportunidades de emprego e renda na cadeia produtiva da restauração”.
A seca extrema, com suas consequências diretas para a produção de alimentos, expõe a interconexão entre os sistemas que compõem o mundo ao nosso redor e escancara a fragilidade das políticas públicas que os sustentam. Promover a adaptação da agricultura familiar às novas realidades climáticas é essencial para a geração de emprego, o desenvolvimento do comércio local, a preservação da biodiversidade e o combate à fome. As mudanças climáticas continuarão acontecendo, mas seus impactos, certamente, podem ser minimizados.