Por Lídia Oliveira

Perdi a fotografia, mãe. Justamente aquela de que eu mais gostava. Aquela em que dávamos as mãos, você e eu, uma ao lado da outra. Eu, ainda pequena, ao lado da grande imagem da mulher que é você. Sua camisa vermelha contrastava com os verdes pés de mexerica ou de caqui que compunham a paisagem atrás de nós.

Mãe, eu estou morando agora em uma casa onde há árvores lindas no quintal. Em maio – mês quando vim a este mundo esquisito – também brotam, das árvores aqui ao lado, caquis bem alaranjados. Consumidos pelos pássaros, eles têm se deixado cair no cotidiano das horas. 

Posso dizer que nunca a vi cair, mãe, mesmo quando tudo foi um rasgo no meio do seu peito. Eu, pelo contrário, irmã dos caquis, caio sempre, sempre. Há uma poeta dizendo que o poema ensina a cair. Você nunca lê poemas, mãe, mas eu os herdei da sua melancolia. Acho que a poesia me ensinou a cair sem alardes, quedas tão sutis e feridas, que tive que aprender o tempo do vento não só nos meus nascentes cabelos brancos, mas também nas minhas mãos ressecadas. E tenho guardado palavras e silêncios de raízes muito antigas, desde dentro de você.

Eu perdi a fotografia da infância e, às vezes, penso que ela está esquecida em alguma gaveta e que preciso procurar de novo, mais atenta, menos distraída pela vida aqui fora. 

O seu olhar de passarinho, mãe, me deixa marcas bonitas no caminho que enxergo. A suavidade da sua voz canta nas minhas cordas vocais. De mãos dadas, no passar das estações, seguimos, a menina e a mulher,  olhando para você, com doçura e encantamento. Desenhei este poema para que nossa fotografia nunca se perca dentro de mim.

*Fotos tiradas pelos repórteres Dirceu Vieira e Rafael Alonso, em homenagem ao Dia das Mães.