CPI dos Alimentos Vencidos pode ser paralisada e realidade da Casa Lar continua alarmante
Liminar que pede a suspensão da CPI foi aceita em segunda instância por desembargador há duas semanas, mas a notificação não aconteceu ainda.
Matéria de Christopher Faria e Lucas Guimarães
Ravisão: Samantha Souza
A CPI dos Alimentos Vencidos passa por uma fase importante, tanto na Câmara Municipal de São João del-Rei quanto no campo jurídico. A Comissão Parlamentar de Inquérito investiga denúncias de irregularidades na compra, armazenamento e distribuição de alimentos e de produtos de higiene vencidos na Casa Lar. A CPI encontra-se perto de encerrar a fase de depoimentos, contudo, disputas por meio de liminar atrasam as investigações e podem suspender a CPI nos próximos dias. Já a realidade na Casa Lar continua desesperadora e preocupante para quem a frequenta.
A Casa Lar é uma instituição de assistência social da Prefeitura de São João del-Rei que abriga crianças e adolescentes em vulnerabilidade social. A Câmara Municipal criou uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar a gestão da instituição após denúncias de irregularidades e a visita de um promotor ao local, atestando a presença de alimentos estragados e produtos de higiene fora do prazo de validade no almoxarifado da Casa Lar e da Secretaria de Assistência Social. A CPI está ativa, mas pode ser suspensa nos próximos dias, pois uma liminar da secretária de assistência social pedindo sua suspensão foi aceita por um desembargador nas últimas semanas, só não foi notificada à Câmara até o momento da publicação dessa reportagem.
A vereadora Lívia Guimarães (PT) preside a CPI e é, também, o tema da liminar. A liminar considera que, por ela ter assinado o pedido da CPI, não poderia presidi-la. Lívia Guimarães garante que esta base argumentativa não se sustenta, e que pedirá recurso para derrubar a liminar e retomar a CPI, quando houver a devida notificação judicial.
Por outro lado, a CPI ainda espera colher depoimentos que julga importantes para seu andamento, como o da própria secretária de assistência social, Aline Gonçalves. Ela foi convocada por duas vezes para depor, mas não compareceu, alegando motivos que a Comissão entendeu como “inconsistentes” – foi cogitado um pedido de Condução Coercitiva para a secretária, mas a mesma não se encontrava na cidade, e tal pedido seria ineficaz.
A CPI, então, entrou com uma liminar obrigando a secretária a disponibilizar documentação referente ao recebimento de cestas básicas na Casa Lar no período dos seis meses anteriores e dos seis meses seguintes a vistoria realizada no ano passado, o que ela não apresentou. A liminar foi aceita em primeira instância. – “Eles optaram por judicializar ao invés de esclarecer os fatos”, pontuou a vereadora do PT. Se notificada e – depois – derrubada a suspensão da CPI, ela tem de prosseguir para a fase de produção do relatório final, que é entregue ao Ministério Público de Minas Gerais, que denuncia ou continua a investigação.
– “A Câmara não tem seus trabalhos suspensos, nem a Prefeitura, e se fosse uma gestão séria que comandasse a cidade, alguma atitude já teria sido tomada. Mas isso não acontece porque a secretária da pasta investigada é a esposa do prefeito”, vereadora Lívia Guimarães (PT), em entrevista exclusiva à VAN.
Aline Gonçalves – de quem a vereadora se refere – foi contactada pela reportagem da VAN, mas disse que sua equipe jurídica a orientou a não dar entrevistas nesse momento. Salete Fialho, coordenadora da Casa Lar, também foi procurada mas a reportagem não conseguiu contato, bem como ela ainda não depôs para a CPI. As duas exerciam os cargos no momento da vistoria do ano passado, que encontrou alimentos e produtos de higiene vencidos, e continuam como secretária e coordenadora, respectivamente.
A respeito de Aline Gonçalves, Livia Guimarães afirma: “Ela está mais preocupada em atacar a CPI do que esclarecer os fatos. Se ela tivesse argumentos, ela já teria vindo apresentar para a CPI e justificar todos os acontecidos. Ela prefere atacar a CPI e atacar, de maneira covarde, as ex-funcionárias que acabam sendo o lado mais fraco da corda”.
Em entrevista coletiva no dia 1º de setembro, Aline Gonçalves afirmou à imprensa que os depoimentos dos ex-funcionários foram mentirosos, feitos por “pessoas ressentidas, por não fazerem mais parte da família da Assistência Social”, e que a CPI era um ato político de “vereadores da oposição”. Sobre o preparo de alimentos vencidos, a secretária disse: – “Foi alegado, lá na CPI, pela cozinheira, que ela preparou feijão e arroz estragado. Quem praticou esse ato? Foi a secretária Aline?”. Além disso, admitiu que ela e Salete Fialho não tinham conhecimento que produtos higiênicos como escovas e absorventes tinham prazo de validade.
Um abandono na casa de acolhimento
Enquanto a CPI prossegue em meio a uma trama no campo judicial, as crianças e adolescentes da Casa Lar continuam enfrentando a mesma realidade. Isso é colocado por Camila Nascimento, coordenadora do projeto social Transformar, que realizou atividades de festas e comemorações na Casa Lar entre 2020 e 2021. Pelos vínculos criados lá, hoje Camila tem a autorização judicial e é responsável por dois irmãos que vivem na instituição, buscando-os todos os sábados para passarem o fim de semana com ela. – “Tudo continua a mesma coisa, não mudou nada, tanta coisa grave veio à tona e nada foi feito”, pontuou Camila Nascimento sobre as denúncias do ano passado.
– “Não é só a alimentação, o que já é multo grave, é o todo. Eles são afetados na alimentação, psicologicamente, na área educacional. Não existe a menor estrutura para acolher jovens e adolescentes”, Camila Nascimento, em entrevista exclusiva à VAN.
Questionada a respeito das afirmações que colocam os depoimentos como mentiras, Camila responde que todos prestados na CPI são verdadeiros: “Confirmados por todos os adolescentes da instituição”. Sobre os relatos, ela confirmou os produtos de higiene vencidos, comidas estragadas e a falta de comida no local: – “Eles reclamam para mim que estão comendo muito pouco, que não tem mais”, disse à reportagem.
Camila Nascimento é, também, estudante de Serviço Social, e observa que o problema vai além da saúde física das crianças e adolescentes da Casa Lar por meio da alimentação e higiene inadequadas. Segundo ela, não existe um acompanhamento da vida escolar, os materiais são desatualizados e há falta de acolhimento e cuidado no local. – “É um dano psicológico gravíssimo para esses meninos, porque eles já saem do vínculo familiar, o que é um trauma multo grande, você ir para uma instituição onde se espera acolhimento e não ter nenhum, passar por dificuldades na alimentação e no cuidado”, colocou Camila.
Estes cuidados em falta na Casa Lar também são pontuados por Paula Oliveira Cabral, monitora na instituição entre 2020 e 2021. Paula foi outra a confirmar a situação em relação aos alimentos vencidos, e citou também falta de acompanhamento necessário, de lazer e de carinho no local. Ela conta, ainda, já ter presenciado situações com pessoas da coordenação tendo comportamentos inadequados com as crianças e adolescentes da instituição – podando seus sonhos.
– “É lógico que é muito importante e relevante (a CPI apurando os alimentos), é um absurdo tudo isso. Mas também tem que ter tratamento. As crianças não têm acompanhamento psicológico. Cada um tem sua história, sua vida, multas vem com caso de abuso na infância, então precisam de um tratamento psicológico. Eles (a Casa Lar) não ajudam no futuro daquela criança, que cresce, faz 18 anos, eles abrem a porta e ‘tchau, o mundo lá fora é seu, se vira’. Não tem nenhum suporte”, Paula Oliveira Cabral, em entrevista exclusiva à VAN
A presidenta da CPI, Lívia Guimarães, reconhece a necessidade de transformar a Casa Lar, na medida em que os problemas vão além dos alimentos e produtos vencidos. Mas ressalta que existe um problema nesse caminho. – “Para transformar a Casa Lar precisa de uma postura da gestão, e ela não está nem um pouco interessada, já que não modificou ninguém diante das denúncias”, apontou a vereadora Livia Guimarães.