A marginalização do skate e suas consequências
Por Ana Clara Reis e Felipe Faria

Na cidade de São João del-Rei, o skate ainda luta por reconhecimento, respeito e espaço. Apesar do crescimento da visibilidade do esporte após sua entrada nas Olimpíadas, a realidade nas ruas mostra que o preconceito e a falta de infraestrutura continuam sendo desafios diários.
Para entender melhor essa realidade, conversamos com Pedro Santos Silva, 25 anos, presidente da Associação Sanjoanense de Skate, um dos principais nomes na luta pelos direitos dos skatistas locais.
A entrevista aconteceu no sábado, 26 de abril, na Praça Santa Terezinha, no bairro Matozinhos — ponto tradicional de encontro de praticantes da modalidade. É lá que Pedro costuma dar aulas de skate nas manhãs de sábado. No entanto, o local se encontrava impróprio para a prática: a pista estava repleta de rachaduras, obstáculos danificados e folhas acumuladas. Coube aos próprios pais dos alunos limpar o espaço antes do início das atividades. Essa situação evidencia um problema recorrente em São João del-Rei: a precariedade dos serviços públicos de manutenção, que afeta não só as pistas de skate, mas diversas praças, ruas e bairros da cidade.

Durante a conversa, Pedro destacou que o skate vai muito além do esporte — é uma cultura e um estilo de vida que, mesmo com avanços na visibilidade, ainda enfrenta estigmas e desconfiança da sociedade. Para ele, a popularização do skate nas Olimpíadas criou uma falsa sensação de aceitação: “Ainda não somos levados a sério. Somos vistos como garotos, independentemente da nossa idade, do corre que você tem”, afirma. Além disso, ele ressalta o caráter colaborativo da prática, que promove o respeito, a união e o fortalecimento de laços dentro da comunidade.
Confira a entrevista na íntegra!
Ana Clara Reis (AC): Quando e como o skate entrou na sua vida?
Pedro (P): Eu comecei a andar de skate com uns amigos da escola, estava com uns 13 anos, foi naquela febre que deu depois da morte do Chorão. Aí todo mundo da escola andava e eu ficava junto e comecei a andar com a galera.
Felipe Faria (F): O que o skate representa para você além de um esporte?
P: Começa que o skate nem é somente um esporte. O esporte é um ‘a mais’ do skate. Skate é um estilo de vida, né?! Se torna uma ideologia, depois de um tempo praticada e, assim, vai virando tudo […] seu contexto social, seu contexto cultural […]. O esporte tá no agregado. O skate, ele é e sempre foi mais que um esporte. Essa noção de que ele é um esporte veio bem depois de quando já estava acontecendo.
AC: Você já presenciou ou vivenciou uma situação de julgamento ou discriminação por andar de skate?
P: Já sim! Muito normal. Isso aí é uma coisa muito predominante até hoje. Skate foi um esporte proibido, em São Paulo, e isso repercutiu nas ondas de preconceito pelo Brasil afora. Mas sim, cidade colonialista antiga, com certeza! Gosto de chamar aqui de “cidade do cavalo”. Então, tudo que foge do cavalo e do futebol já está propício a sofrer essa discriminação. Como o skate já é um estilo de vida que sofre essa discriminação globalmente, aqui não seria diferente também.
F: Na sua opinião, por que o skate ainda é visto com preconceito por parte da sociedade?
P: Então, eu acho que a gente está passando por uma marginalização meio dissimulada, sabe?! Porque, com as Olimpíadas, agora, tem essa ideia de que o skate se tornou um esporte aceito, mas não é bem assim a nossa realidade. Aqui mesmo a gente pode presenciar uma pista que foi construída ano passado e que já está toda deteriorada por causa da qualidade do material. Uma pista que foi feita com a ajuda da Associação do Skate aqui da cidade, mas não foi levada a sério.
AC: Você acha que o preconceito contra o skate é diferente dependendo do bairro e da classe social que o praticam?
P: Com certeza! Porque, primeiro, a gente tem que ver de onde a gente tá falando. Por exemplo, se a gente fala do interior mineiro, a percepção é uma. Se você for conversar no centro de São Paulo, é outra. No interior de São Paulo, que é um lugar que leva o skate mais a sério, a gente tem até jogos escolares de skate, disciplinas de educação física que já conversam sobre o skate nas universidades, aí vai mudando. Tem o skate streamer também, pra quem tem condição de viver um lifestyle. Um sempre vai entrar pela porta da frente e o outro sempre pela porta de trás.
F: Você acredita que essa marginalização do skate afeta o acesso ao espaço público e às políticas de incentivo ao esporte?
P: Já começa com a questão que eu estava falando de não ser levado a sério. Porque, por exemplo, aqui em São João, da associação, somos todos adultos, trabalhadores, estudantes, pais de família, e a gente só quer um espaço para praticar o esporte pra questão do bem social. É o básico que deveria ser garantido para todo mundo. E até hoje a gente é chamado de “garoto”, independente da idade, do corre que você tem. Toda vez que a gente vai conversar com o poder público é sempre essa visão “os meninos do skate”. Eu acho que tá muito nessa ideia de que “são crianças brincando” e não toda a complexidade que é o skate.
AC: Com o skate ganhando mais visibilidade nas Olimpíadas, você ainda acha que isso ajudou a diminuir o preconceito ou ainda há uma resistência?
P: Sim, tem a resistência! É um preconceito que agora tá dissimulado de outras coisas. Então, as Olimpíadas possibilitaram esse movimento que vocês vão assistir hoje de aula com crianças, onde pais e mães valorizam o meu trabalho, mas ainda tem muita coisa que tem que melhorar. Achar que tá tudo resolvido só vai desfavorecer as nossas resistências. Por exemplo, pensar numa cidade que tem muitos skatistas e até hoje não temos uma pista pública de qualidade, como é que vou falar que com as Olimpíadas acabou o preconceito com o skate?!

F: Como o skate pode ser uma ferramenta de inclusão social e resistência cultural?
P: Olha, só pela resistência dele. Como eu disse, o skate foi proibido em vários lugares do mundo, na Alemanha, aqui no Brasil […]. E tá aí até hoje. A dinâmica do skate é tão conjunta que as pessoas conseguem se integrar ali. Por exemplo, o skate não tem fila indiana, é um do lado do outro esperando cada um ter seu momento, comemorar a vitória do outro. Então, assim, acho que se todos tivessem esse comportamento na sociedade, nós teríamos uma outra sociedade, muito melhor.
AC: Que tipo de mensagem você gostaria de passar para quem ainda enxerga o skate com preconceito e desconfiança?
P: Então, preconceito só tem um jeito, que é você ir lá e assistir melhor. E a questão do desconhecer é muito isso também, é buscar conhecimento. Hoje tá muito fácil, você tem vários canais no YouTube que fazem um trampo lindo, vídeos muito bons e bem editados. Para aqueles que são aqui de São João e quiserem conhecer a gente, temos o perfil da Associação Sanjoanense de Skate, tem o canal no YouTube também e a gente tá aí, predominante na praça Santa Terezinha e na praça da Biquinha.
F: Como foi sua trajetória no skate até se tornar presidente da Associação?
P: No nosso coletivo não tem muito isso, não. A gente tem esse “Ah, fulano é presidente, beltrano é vice” porque, querendo ou não, já está tão normalizado. Mas lá dentro, a gente não tem essa hierarquia. Eu sou o cara que gosta de promover rolê em outras cidades, que gosta de “Ah, tal coisa tá estragada? Vamos juntar todo mundo e fazer?”. Mas, ao mesmo tempo, tem outra pessoa que põe a mão na massa e fica na dele, mas toda vez que a gente precisa, tá ali. Então, todo mundo tem uma suma importância ali e o meu caminho foi esse: tinha meus amigos, a gente tinha as necessidades, se juntamos para correr atrás.
AC: Como você acha que a associação tem atuado para combater esse preconceito e ampliar o reconhecimento do skate como esporte e cultura aqui na cidade?
P: Então, eu falei com meu amigo, João Lucas, que se a gente queria ter uma relevância social, a gente tinha que fazer valer. Antes da gente falar de direitos, a gente tem que dar uma olhada nos nossos deveres. Como a gente faz isso? Promovendo encontros, promovendo conversas, diálogos, voltas, estando em lugares que a gente gosta de ocupar, ocupando esses espaços, cuidando […]. Por exemplo, estamos conversando aqui agora e os pais dos meus alunos estão varrendo a pista, pois, se não tivesse gente aqui, iria ficar sujo. Então, a gente luta dessa forma, mostrando que nossos deveres nunca estão atrasados para a gente ter direitos.
F: Quais foram os maiores desafios que a associação enfrentou desde a sua criação? Você poderia também citar alguma conquista?
P: Então, a conquista que a gente teve, que nem é uma conquista que a gente tem o poder dela, era ter o CRAS Doce Lar, era o espaço ali próximo ao pontilhão do Matozinhos, e aí se tornou uma escola e a gente perdeu o acesso. Mas ali a gente ficou dois ou três anos, se eu não me engano. Muito skate acontecia ali dentro, a própria questão do nível técnico de todo mundo subiu. Era um lugar coberto, com banheiro, com água.
Uma outra que a gente teve foi essa construção desses obstáculos aqui na Santa Terezinha também, que deu uma noção de uma pista, mas não é uma pista pública, tá longe de ser, mas já abre portas. O maior desafio é manter essas conquistas, é manter esses espaços.

AC: Como é a relação da associação com o poder público? Há diálogo para conseguir mais espaço aos skatistas?
P: Agora que começou uma gestão, tinha um secretário muito competente e essa semana ele renunciou. Nós tivemos uma reunião e, infelizmente, ele renunciou e a gente tá meio sem saber como vai ser esse novo, mas estamos sempre abertos a conversas.
Essa gestão começou com o funcionário de lá, o Francisco, muito empenhado em vir procurar e ele gostou do que viu.
Então, assim, eu acho que pode vir a melhorar muito, mas temos que estar sempre em alerta.
Essa sistematização de ‘ah, o governo não resolve’, ‘ah, a prefeitura não dá um jeito’, mas nem sempre é por aí, não.
Às vezes, você tem que pegar seu coletivo ali e vamos fazer. É assim que tem uma das maiores pistas de skate no Brasil: com ocupação e interferência no local.
Então, a gente tá nesse caminho esse ano: é estar junto com o poder público, mas se não tiver o poder público, ok, a gente vai fazer por nossa conta.