Por Ana Cláudia Almeida, Igor Chaves e Isabela Barbosa


O mais recente Boletim Epidemiológico relativo à dengue indicou que, no início do mês de abril, São João del-Rei ultrapassou a marca dos 4.000 casos confirmados. Integrante da extensa lista de cidades em situação de emergência de Minas Gerais desde o começo do ano, o município tem registrado um aumento significativo de casos de contaminação pelo vírus, totalizando 13 óbitos com registros positivos para a doença somente no último mês.

Gráfico 1: casos de dengue em São João del-Rei, janeiro-abril de 2024 – Fonte/Reprodução: VAN

Na histórica São João del-Rei, os casos de dengue retornaram ao estado de surto em julho de 2023 com quase 900 casos, sendo a maior parte desses ocorridos nos bairros Matozinhos e Tejuco, áreas marginalizadas da região. Apesar disso, somente em 2024, a doença entrou em alerta e ganhou visibilidade na cidade, uma vez que se espalhou e chegou aos pontos mais valorizados, como os bairros Colônia do Marçal, Segredo, Vila Marchetti e Do Carmo. Em síntese, com a desmarginalização da dengue, a doença passou a ganhar interesse da mídia, do público e das autoridades competentes. 

Com o objetivo de combater o mosquito Aedes aegypti, o Setor de Endemias da Secretaria de Saúde promoveu mutirões de limpeza, “bota-foras”, fumacê e até lançou a campanha “Tele Dengue”, a fim de otimizar as denúncias voltadas para os focos de água parada pela cidade. Sem grande êxito, os números de contágio pela doença continuam aumentando dia após dia e chegam a ser alarmantes, quando comparados aos anos anteriores. Dados dos Boletins Epidemiológicos de São João del-Rei apontam que os casos de contaminação pelo vírus até março deste ano chegam a ultrapassar a soma dos casos registrados em 2022 e 2023. 

Gráfico 2: casos de dengue em São João del-Rei, fevereiro-dezembro de 2023 – Fonte/Reprodução: VAN

Gráfico 3: casos de dengue em São João del-Rei ao longo dos anos – Fonte/Reprodução: VAN

Fatores que podem influenciar o alto número de casos da doença

A situação exponencial da dengue pode ser justificada por vários fatores, entre eles, as mudanças climáticas que impactam não só o Brasil, como o mundo todo. Como acentuado em certos artigos do professor Adilson Siqueira, pesquisador-coordenador do Laboratório Ecopoéticas da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), apesar da criação da Comissão Mundial sobre Ambiente e Desenvolvimento (WCED) pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1972, o Relatório Brundtland, publicado em 1987,  determinou o consumo global irresponsável como causa da insustentabilidade do desenvolvimento e das crises ambientais. Em outros termos, voltando-se à dengue, uma grave relação entre a doença e a desigualdade socioambiental em países emergentes, como o Brasil, pode ser notada. Com as temperaturas acima do comum e as chuvas desreguladas, um espaço de tempo limitado tem se apresentado aos órgãos públicos, agentes de saúde e, até mesmo, à população para agir em combate ao Aedes aegypti. 

Em paralelo, ainda em conformidade ao observado pelo líder do grupo de estudo da arte ligada à sustentabilidade e mudanças climáticas, somente após gradual mudança tecnológica e social, um crescimento sustentável e igualitário pode ser promovido nas nações em desenvolvimento. Em suma, tal impossibilidade de oferta digna de condições básicas de vida justificam a atual realidade de ausência de saneamento básico em áreas periféricas. Com um enfoque em São João del-Rei, nas regiões desassistidas pela prefeitura, geralmente com adensamentos populacionais desregulados, o tratamento de água e esgoto é precário, a coleta de lixo é falha ou, até mesmo, inexistente e, a manutenção de espaços públicos, como praças e matas adjacentes, não ocorre de forma adequada. Devido a essas condições sanitárias negativas, a tendência é que haja um acúmulo constante de água em recipientes impróprios, o que resulta na rápida multiplicação do mosquito transmissor. 

Analisa-se, portanto, que por mais que nenhuma pessoa esteja imune à dengue, o risco é consideravelmente maior para a população marginalizada. Comunidades abastadas também enfrentam a dificuldade de acesso à saúde pública e carecem do respaldo dos órgãos responsáveis pelo controle vetorial, tornando-as mais vulneráveis e, cada vez mais, invisibilizadas frente ao combate à dengue. 

Esse processo discriminatório é uma questão tanto relacionada aos direitos humanos quanto ambientais, afinal, está diretamente ligada à falta de políticas públicas que proveem serviços básicos, como o tratamento de água e esgoto, além do uso comum de um meio-ambiente equilibrado e que não venha a interferir na qualidade de vida. Em São João del-Rei, visa-se a participação das comunidades desassistidas nas tomadas de decisões do governo municipal, afinal, sem investimentos que promovem o bem estar populacional os casos de dengue seguirão crescendo de forma contínua.