Coisa que não falta a Resende Costa,
a 36 quilômetros de São João del-Rei, é artesanato feito com linhas e retalhos.
Por lá, costuma-se dizer que toda casa tem um tear e um tecelão que aprendeu
com a mãe, com a tia ou com a avó a arte de fazer colchas, capas de almofada,
jogos de sofá, mantas, tapetes e toalhas de mesa. Boa parte dessas pessoas
trabalha na informalidade, por isso não existem números oficiais sobre a
ocupação artesanal. Mas o presidente da Associação Comercial e Turística de
Resende Costa (Asseturc), o lojista Cícero Resende Chaves, calcula que os
trabalhos manuais da cidade, distribuídos nas 65 lojas filiadas, respondem por
40% da movimentação econômica local.
Com 71 anos e longe de querer se
aposentar, Maria do Perpétuo Pinto, a Da. Lilita (foto) é uma das tecelãs mais
antigas de Resende Costa. Foi olhando a avó e depois a tia, que aprendeu o
ofício que criou seus oito filhos. Apesar de ter diminuído o ritmo após o
casamento dos “meninos”, dos quatro teares em casa, apenas três estão em
funcionamento, produz ainda por mês 30 colchas de casal, 30 joguinhos de tapete,
30 centros de sala mais os jogos de sofá que faz por encomenda. Com preços
entre R$8 e R$80, turistas pagam R$1 a mais por peça, Da. Lilita vende
principalmente para lojistas da cidade. “Eu nunca pensei em ter uma loja. Não
me importa o lucro, eu gosto de trabalhar para me divertir. Não ia gostar de
ficar sentada numa loja atendendo”. Mesmo assim, a tecelã tem uma reclamação:
“Ganho pouco por peça e não tenho feriado. Mas dá para viver com o tear. Um
pouquinho que mexe já serve”, diz.
Lucimara (esq.) e Gracinha (dir.) não abrem mão
do teste de qualidade
Não por acaso durante a entrevista
Gracinha foi interrompida por uma compradora de São Paulo. Lucimara Rezende
Gouveia vem para Minas de 20 em 20 dias há três anos. Suas peças preferidas são
os tapetes, que vende na capital paulistana com faturamento 130% maior do que
compra em Resende Costa. Por isso, pretende deixar de lado a profissão de
cabeleireira e dedicar-se apenas à comercialização do artesanato. “Todas as
classes sociais compram. E eu não posso ficar parada em casa, já que o lucro
vem do contato com o público”, acentua.

    Quem
também construiu uma vida com os teares é Terezinha das Graças, a Gracinha. Com
53 anos, ela conta que aprendeu a tecer aos nove. “Na minha família a tradição
vem desde minha tataravó”. Por motivos de saúde, Gracinha já não faz mais as
famosas colchas de Resende Costa, mas administra a produção que emprega os três
filhos e outros 10 funcionários. Na linha de produção da família existem 12
itens diferentes e que chegam a render para ex-tecelã três salários mínimos por
mês. Mas como Da. Lilita, Gracinha reclama que é preciso trabalhar muito, já
que as peças tem um baixo valor no mercado. “Existe muita concorrência. As
pessoas trabalham por produção, o que diminui a qualidade”, afirma. Boa parte
dos produtos de Gracinha é para exportação. É possível encontrar suas peças no
Amapá, Amazonas, Macapá, Rio de Janeiro, São Paulo e toda Minas Gerais.

Romário utiliza o artesanato como um “bico” até se formar
    Outro resende-costense que vive do
artesanato é o estudante de Administração da UFSJ, Romário Eduardo Resende. Sem
um emprego fixo e com a necessidade de manter os estudos, descobriu nas linhas
e teares uma importante fonte de renda. Ele chega a faturar por mês R$650, mas
considera pouco. “A vantagem é que tenho um horário flexível que posso
conciliar com a faculdade, além de não ter que prestar contas para um patrão”,
enfatiza. Resende só vende para lojistas, mas garante que “a valorização fica
muito aquém do que deveria”, por isso espera mudar de ramo quando se formar.
Como quase todo mundo na sua cidade, o futuro administrador de 21 anos aprendeu
a tecer com uma tia aos 14, e sua mãe também trabalha com os teares para ajudar
na renda de casa.
Lucinaldo prefere a estabilidade do emprego fixo
            Mas na cidade, há quem prefira trabalhar
como funcionário das lojas. Um exemplo disso é Geraldo Lucinaldo Pinto. Depois
de aprender com a esposa a arte de tecer, procurou um emprego com carteira
assinada. O tecelão recebe pelo que produz, e acha que é suficiente. “Dá para
sobreviver tranquilo com o tear. A pessoa consegue tirar em média um salário e
meio por mês”, contabiliza.
 Identidade
            Com o aumento da procura das peças
artesanais, tecelões reclamam que tiveram que acelerar a produção e diminuir a
qualidade. Eles apontam também a falta de investimento público na visibilidade
do setor, o que poderia beneficiar mais o turismo em Resende Costa. Além disso,
alguns afirmam que as lojas estão importando produtos de cidades vizinhas, o
que produz uma concorrência desleal e uma perda de identidade.
            Mas não é assim que pensa o presidente da
Asseturc, Cícero Resende Chaves. Para ele, é positiva uma rede de
relacionamento com as cidades vizinhas. Além disso, Chaves defende que muita coisa
que vem de fora é beneficiada na cidade. “O pano de chita, por exemplo, não é
produção nossa, mas é transformado em Resende Costa e é vendido aqui. Há
empresas que importam, mas só vendem com a etiqueta de origem, o que preserva a
identidade dos produtos locais”. Ele afirma ainda que a venda do artesanato
resende-costense para fora é maior do que a compra de produtos externos.
Chaves descarta a perda de identidade

            Quanto à visibilidade, Chaves argumenta que o caminho é
conseguir um espaço permanente em jornais. “Tem que ser matéria jornalística,
pois a publicidade tem um custo/benefício que não vale à pena. É dar tiro de
canhão para acertar formiga, já que não atinge muitas pessoas”, afirma.

            No entanto, o presidente da Asseturc
reconhece que a cidade deve investir mais na infraestrutura para o turista.
“Hoje, é preciso melhorar o receptivo e qualificar o pessoal da linha de
frente, os atendentes das pessoas que visitam Resende Costa”. Chaves lembra
ainda que é preciso criar um conceito regional de turismo. “É importante
formular um pacote turístico para a região. Não queremos o turista aqui por
quatro dias. Hoje isso é inconcebível”. Ele completa que devem ser criados
atrativos para que as pessoas que visitam a região incluam em sua viagem
cidades como Resende Costa.
História e
turismo
            A origem do artesanato em Resende Costa vem do Brasil
Colônia. Por decreto real, as tecelagens foram proibidas no país, mas o
presidente da Asseturc explica que faltava fiscalização no interior de Minas, o
que permitiu que a atividade vingasse. “Essa tradição se preservou aqui,
principalmente no povoado dos Pintos (a 12 quilômetros da cidade). Já no início
dos anos 80, com a consolidação do turismo em São João del-Rei e Tiradentes e o
êxodo rural dos tecelões, Resende Costa passou a despertar o interesse dos
visitantes pelo artesanato que produzia”, lembra Chaves.

      Das cinco lojas no início da década de
1990, Resende Costa tem hoje 65 estabelecimentos que, na sua maioria, estão na
Avenida Alfredo Penido (entrada para quem chega à cidade por São João del-Rei).
Segundo Chaves, a concentração na ‘rua do artesanato’ não foi planejada. O
público predominante nessas lojas são atacadistas e turistas.
            Nos pontos comerciais é possível
encontrar mercadorias que variam de R$2 a R$1,5 mil. Mas os visitantes parecem
não se importar com o preço. Rose Mary Januzi veio de BH e diz que “lá não
encontra artesanato como esse, se achar é porque saiu daqui”. Na dúvida em qual
peça comprar, ela afirma que “nem olhou o preço, mas a qualidade”.
         Já a são-joanense Laila Feres Mores,
trouxe a nora carioca, Liane Estrela, para fazer umas compras para a casa. As
duas comentam que “o preço já esteve mais em conta, mesmo assim fazemos umas
comprinhas e sempre temos que levar presentes para os amigos que não podem vir
até aqui”, dizem.
        Reportagem: Douglas Caputo
        Fotos: Douglas Caputo
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