PASSEATA DOS CEM MIL (26 DE JUNHO DE 1968) - EVANDRO TEIXEIRA
PASSEATA DOS CEM MIL (26 DE JUNHO DE 1968) – EVANDRO TEIXEIRA

Hoje eu acordei pensando num daqueles anos de sombras. Do riso pouco, da voz rouca, das palavras tortas. Num daqueles meses sem dignidade nem piedade. Naquele tempo onde só se garantia quem nada dizia. Eram muitos equilibristas, na corda bamba. E foram tantos Josés e tantas Clarices. Tantos desaparecidos e suicidados. Tanta repressão e cale-a-boca que a boca aprendeu a ruminar e os olhos a não olhar pra cima.

Levantei devagar, cocei os olhos, liguei a máquina de café e a TV. Tomei um susto, vi uma matéria sobre manifestações de uma minoria, que se acha maioria; entre os muitos absurdos, cartazes pedindo explicitamente pelo fim da democracia. Tomei um gole do café e acendi um cigarro pensando. Não é por partido nenhum não, é pela voz. É pelas lágrimas que já escorreram e pelos respiros que não foram dados. É por lembrar com dor da época em que Chico não poderia pisar em um palanque. Vlad não poderia pisar em lugar algum.

Não consegui decifrar uma incógnita: É falta de memória ou de aula de história? Dia 31 passado fez 52 anos do Golpe, esse é um aniversário que eu insisto em não comemorar. Olhei meu quadro com minha família na parede e imaginei a angústia de não saber onde eles estavam, se estavam vivos. E olha que nem comunista eu sou! Gosto do vermelho tanto quanto do verde e amarelo. E eu terminei o cigarro com uma convicção em meio a tantas loucuras, uma frase de um pensador anônimo: “É fácil pedir pela ditadura na democracia. Quero ver fazer o contrário.”

MOVIMENTO ESTUDANTIL (1968) - EVANDRO TEIXEIRA
MOVIMENTO ESTUDANTIL (1968) – EVANDRO TEIXEIRA

TEXTO/VAN: Talita Tonso

FOTOS (CURADORIA): Juliana Galhardo

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