Por Ana Beatriz Silva, Catarina Mendes, Dirceu Vieira e Lídia Oliveira

Antigo Hospital Colônia de Barbacena em 1961, atual Hospital Regional de Barbacena Dr. José Américo. Foto: Luiz Alfredo/revista O Cruzeiro

O Dia Nacional da Luta Antimanicomial é comemorado no dia 18 de maio, com o objetivo de celebrar o movimento que busca superar o modelo de cuidado em saúde mental baseado em internações prolongadas e em locais com características asilares (como os antigos manicômios). Além de promover um cuidado mais humanizado e baseado na comunidade.

A data foi escolhida em razão da I Conferência Nacional de  Saúde Mental, ocorrida em Bauru, no ano de 1987, quando aconteceu o Encontro dos Trabalhadores em Saúde Mental. A iniciativa ajudou a estabelecer medidas de reforma psiquiátrica pelas quais se instituiu a Lei 10.216/2001, que expõe diretrizes para garantir o acesso à saúde e à proteção para pessoas que vivem com algum transtorno mental.

Em Minas Gerais, no dia 18 de maio, a cidade de São João del‑Rei promoveu uma ação pública na Praça do Coreto, com apresentações culturais, rodas de conversa e participação de serviços como o CAPS AD, o CAPS Del-Rei, o Centro de Convivência e Cultura Arte Feliz e a Rede de Atenção Primária. A atividade foi organizada pela equipe de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde e teve como objetivo sensibilizar a população sobre os direitos das pessoas com sofrimento psíquico, destacando a importância da inclusão e da escuta qualificada.

Mais do que marcar uma data, o evento buscou fortalecer vínculos, abrir espaços de diálogo e reafirmar que “por uma sociedade sem manicômios ainda lutamos aqui”.

Essa luta se justifica e se fortalece quando revisitamos episódios marcantes da nossa história, como os horrores vividos no Hospital Colônia de Barbacena — um símbolo das violências institucionais cometidas em nome do tratamento psiquiátrico.

O Hospital Colônia de Barbacena, inaugurado em 1903, foi projetado para acolher cerca de 200 pessoas, mas chegou a abrigar mais de 5.000 internos. Muitos eram levados pelo chamado “trem da morte”, sem sequer terem registros de entrada ou saída. Pesquisadores como Drauzio Varella, em Carcereiros, relatam as condições degradantes a que eram submetidos: trabalhos forçados, alimentação insuficiente e longos períodos de isolamento, sem qualquer proposta terapêutica.

A superlotação, somada à falta de recursos e de profissionais qualificados, resultou em um elevado índice de mortalidade — estima-se que um terço dos internos não sobreviveu, vitimado por desnutrição, tuberculose e negligência. As memórias registradas em cartas e diários descrevem um lugar marcado pelo silêncio e pelo abandono, reforçando a importância de continuarmos lutando por um cuidado em saúde mental que respeite a dignidade e a liberdade de cada pessoa.

Essa memória dolorosa serve como um alerta permanente: o confinamento institucionalizado, longe de promover a cura, castigava corpos e mentes, reforçando o estigma de que “louco” é sinônimo de “perdido”. Foi justamente para romper esse ciclo de violência que o movimento antimanicomial propôs a criação de serviços substitutivos, como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que atuam hoje de forma multiprofissional e integrada à comunidade.

Em São João del‑Rei, o lema “Esse trem é louco por liberdade” — em alusão ao trajeto percorrido por tantos rumo ao Hospital Colônia de Barbacena — vai além de uma referência histórica: é um chamado à consciência coletiva sobre a importância de políticas públicas que garantam cuidado em liberdade, com dignidade e vínculo comunitário.

A Luta Antimanicomial não é apenas uma conquista histórica: é um processo em constante construção. Manter viva a memória do Hospital Colônia de Barbacena, com suas lições sobre abuso e desamparo, fortalece nosso compromisso coletivo de que nenhum ser humano seja reduzido a um diagnóstico ou confinado como forma de exclusão. É na reinvenção diária das práticas de cuidado — por meio de rodas de conversa, oficinas culturais e suporte comunitário — que renovamos a esperança de um futuro em que a saúde mental seja verdadeiramente um direito de todos.

A reforma psiquiátrica não se limita à mudança de instituições, mas exige uma profunda transformação cultural: é necessário desconstruir preconceitos, combater o capacitismo e promover a inclusão social. Isso significa garantir o acesso a moradia, educação, trabalho e lazer, assegurando às pessoas com sofrimento psíquico o direito de viverem em liberdade e com apoio, dentro de suas comunidades. 

Manter viva a luta antimanicomial é também cultivar a esperança de que é possível construir uma sociedade mais justa, onde o sofrimento mental não seja tratado com isolamento, mas com solidariedade. Em cada CAPS, em cada grupo de apoio, em cada encontro entre cuidador e cuidado, está a semente de uma nova forma de convivência: mais humana, mais livre e mais consciente de que todos temos direito à dignidade, à escuta e ao cuidado.

Assim, reafirmamos que a luta por uma sociedade sem manicômios continua viva em cada gesto de cuidado humanizado, em cada política pública que valoriza a vida e em cada espaço onde se escolhe a liberdade como princípio. A memória, a resistência e a esperança seguem sendo as maiores forças para garantir que nunca mais se repitam os horrores do passado e que o futuro da saúde mental no Brasil seja construído com respeito e humanidade. 

SERVIÇO

CAPS AD São João del-Rei – Telefone: (32) 3372-5486 / Facebook: https://www.facebook.com/profile.php?id=100011460249290&locale=pt_BR

Centro de Convivência e Cultura Arte Feliz – Telefone: (32)3371-4619 

 Secretaria Municipal de Saúde – Telefone geral: 0800 678 2000  / Instagram@sjdr.saúde 

Prefeitura Municipal – Site: https://www.saojoaodelrei.mg.gov.br