Por Artur Coan, Gabrielli Caldeira, Lucas Simões, Rafaela Tarsitani Reis e Rafaela Nery 

Apesar dos avanços no mercado de trabalho, mulheres em São João del-Rei ainda sofrem com a desigualdade salarial, desafiando as metas da Agenda 2030

As metas globais dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), plano de ação da Organização das Nações Unidas (ONU), destacam um conjunto de indicadores como marcos internacionais específicos da luta pela igualdade de gênero. O Brasil, apesar dos esforços direcionados a esta questão social, permanece com dificuldades no acompanhamento das diretrizes estipuladas pelo ODS 5, conforme expõe uma breve apuração de dados oficiais.

Segundo números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2023, as trabalhadoras brasileiras recebem, em média, 78% do salário dos homens, mesmo quando possuem escolaridade igual ou superior. Em Minas Gerais, essa diferença se mantém próxima, com mulheres ganhando cerca de 22% a menos, segundo levantamento do Dieese. Em São João del-Rei, apesar do avanço das mulheres no mercado de trabalho local, a disparidade salarial persiste de forma velada, revelando a ausência de mudanças estruturais efetivas para garantir a igualdade salarial entre gêneros. 

Em comparação, municípios vizinhos apresentam dinâmicas distintas: em Nazareno, houve melhora no indicador desde 2018, atingindo um pico em 2020, mas com uma leve queda e estabilização em 2022, demonstrando esforço para redução da desigualdade, ainda que insuficiente. Já em Ritápolis, observa-se uma queda significativa entre 2020 e 2022, com a proporção salarial feminina caindo de 93% para cerca de 84% do salário dos homens, impactada por fatores como a pandemia, a redução da participação feminina no mercado formal e a segmentação ocupacional de gênero. 

Essa realidade atual desafia o objetivo central da ODS 5, que busca eliminar as desigualdades de gênero até 2030. A igualdade de gênero não é apenas um direito humano fundamental, mas a base necessária para a construção de um mundo pacífico, próspero e sustentável. O esforço de alcance da meta em questão é transversal à toda Agenda 2030 e reflete a crescente evidência de que a igualdade de gênero tem efeitos multiplicadores no desenvolvimento sustentável. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável visam intensificar melhores condições de vida a mulheres e meninas, não apenas nas áreas de saúde, educação e trabalho, mas especialmente no combate às discriminações e violências baseadas no gênero e na promoção do empoderamento feminino, por meio da participação em diversas áreas de tomada de decisão.

Imagem: Reprodução/Agência IBGE

Camila Sarto, formada em Recursos Humanos pelo Centro Universitário de Varginha (UNIS), comenta que a desigualdade salarial entre homens e mulheres se manifesta de forma setorial, refletindo uma tendência que acompanha o cenário nacional. “A desigualdade salarial aparece muito em áreas como, construção e tecnologia, onde ainda a quantidade de homens é mais evidente. Mas até em áreas administrativas e no comércio, onde tem bastante mulher, a diferença salarial ainda existe”, afirmou a especialista. Dados do IBGE indicam que, no Brasil, mulheres recebem em média cerca de 20% a menos que homens, mesmo quando exercem funções semelhantes. Em setores como comércio e administração, que possuem maior presença feminina, a diferença salarial também é notória: pesquisas apontam que mulheres chegam a ganhar, em média, 15% menos que seus colegas homens nessas áreas. Essa desigualdade transversal mostra que, independentemente do setor, as mulheres são remuneradas de forma inferior, apontando para barreiras estruturais e culturais que dificultam a equiparação salarial. 

Em São João del-Rei, ainda que faltem dados locais específicos, relatos de profissionais indicam que esse padrão é percebido em diferentes segmentos econômicos, desde o trabalho formal até a informalidade, onde a vulnerabilidade das mulheres se acentua.Vanderleia Rodrigues, fiscal de contrato administrativo na assistência social em São João del-Rei, acredita no protagonismo feminino na sociedade e destaca os projetos como Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) na participação da mulher tanto socialmente quanto no mercado de trabalho. “Eu trago a importância dos programas socioassistenciais como serviço de convivência e fortalecimento de vínculo, que é um trabalho feito pela assistência social, que traz a população e mostra e ensina que elas podem ser emancipadas Elas podem ser protagonistas ali do seu meio.”, afirma. No âmbito da assistência social na cidade, as análises têm visto pontos positivos, com várias mulheres conseguindo participar e destacar nos projetos que são criados. “Muitos projetos que são elaborados para assistência social saem daqui com uma profissional específica, dentre outros que tem várias participações nessas questões de projetos, serviços e programas. É uma participação efetiva”, destaca a fiscal. 

Entretanto, essa desigualdade existente no Brasil vem desde a formação do país, tanto estrutural, quanto cultural. A dominação masculina criou uma uma cultura que seculariza a mulher e na atualidade essas lutas sociais, chamou a atenção para as minorias. “Veja, ainda não está bom em sua totalidade, tem muito a melhorar, mas eu vejo a mulher conseguindo entrar nesse contexto que vocês trouxeram  e tendo um olhar mais precipício, ela não está mais secularizada, tanto como era antes”, reflete Vanderleia.

A vereadora Cassiane Pinheiro (PT), formada em arquitetura e urbanismo, relata que enfrentou diversas barreiras de gênero ao longo da sua trajetória, dentro e fora da política. Ao perguntarmos sobre como foi entrar no mundo político sendo mulher, Cassi denuncia que a desigualdade é velada, assim torna mais difícil combater essa desigualdade salarial e, mesmo trabalhando mais do que o exigido, não recebe a mesma visibilidade que os colegas homens na câmara dos vereadores. “Eu comecei, antes de entrar para a política partidária, nos movimentos sociais e, em todos os espaços, tem essa desigualdade[…]. As mulheres são sempre as mais prejudicadas em qualquer espaço de trabalho porque, além de elas precisarem assumir o trabalho formal, chefiam casas sozinhas”, explica. A vereadora enfatiza que a sobrecarga de trabalho doméstico e de cuidados atinge as mulheres e que isso compromete sua inserção no mercado de trabalho. Ela defende que, enquanto o cuidado não for reconhecido como trabalho, não haverá equidade: “A questão dos cuidados é uma tecla que eu bato muito porque, enquanto a gente não superar e não conseguir uma corresponsabilização, não conseguir envolver os homens, não conseguir envolver o Estado, não conseguir dividir igualmente essa responsabilidade que recai sobre as mulheres, a gente não vai conseguir avançar em nenhuma outra esfera do trabalho”. Cassi conclui que a sociedade atual é patriarcal e naturalmente inferioriza a mulher: “precisamos sempre subir um degrau a mais, quando demos um passo, os homens também dão um e assim estamos sempre um passo atrás”.

A psicóloga Izabela de Almeida da Silva possui uma visão divergente, defendendo que a desigualdade salarial, entre os diversos tipos de violências sofridos pelas mulheres, é mais explícita e, portanto, menos agravante do que as violências mais veladas e banalizadas em nossa sociedade. A psicóloga, também alerta sobre os impactos deste tipo de desigualdade no dia-a-dia das trabalhadoras: “Existe um impacto na saúde mental das mulheres por conta da organização de como se dão as coisas dentro da estrutura patriarcal no Brasil”, afirma. Izabela acrescenta que a invisibilidade das mulheres, não apenas no mercado de trabalho, mas na sociedade como um todo, pode causar problemas psicológicos mais graves, como depressão e ansiedade. “Eu chamaria, assim, de adoecimento, em alguns momentos, parece perda de sentido da vida. Isso gera um cansaço e uma frustração porque elas não são reconhecidas”, enfatiza. Abordando também a questão da invisibilidade como uma jornada silenciada, ao invés de uma jornada silenciosa, ela afirma que a sociedade reconhece o problema, mas prefere silenciá-lo.

A partir das reflexões da professora e socióloga, Juliana Anacleto dos Santos, fica evidente que a desigualdade salarial entre homens e mulheres é resultado de fatores estruturais, históricos e sociais. “Na sociologia do trabalho, interpretamos essa desigualdade como sendo estruturada pela divisão sexual do trabalho”, diz. Segundo ela, esse modelo se organiza a partir da ideia de que os homens estão voltados ao trabalho produtivo e as mulheres ao “trabalho improdutivo que até hoje é invisibilizado e desvalorizado”. A socióloga também ressalta que essa desigualdade se agrava com os marcadores sociais: “São as mulheres negras e de baixa escolaridade as que mais têm prejuízos em acessar o mercado de trabalho”. Mesmo as mulheres que conseguem entrar em cargos de liderança continuam enfrentando barreiras. “As dinâmicas de poder no mundo do trabalho ainda são muito masculinas, dificultando a participação proporcional das mulheres nessas posições”, explica. Para finalizar, Juliana defende que o enfrentamento dessas desigualdades devem ultrapassar os limites.

A urgência em cumprir as metas da ODS 5, está na vida real das mulheres que buscam serem reconhecidas com a mesma dignidade que um homem no mercado de trabalho. “A luta feminista deve ser também uma luta anticapitalista”, completa Juliana.