O rapper, arquiteto e artista plástico comenta sobre a relevância artística em sua vida e para a representatividade negra e periférica na região

Por Lídia Oliveira, Lucas Anjos, Dirceu Vieira, Cléber Lucas e Paulo Mambelli

Pepeu reflete sobre os movimentos afrodiaspóricos em sua carreira. Foto: Dirceu Vieira

Bruno Henrique de Souza, ou Pepeu, de 24 anos, nasceu e cresceu no bairro Tijuco, em São João del-Rei. O artista conta que, desde pequeno, observava o pai, que é pedreiro, e a mãe, artesã, no fazer manual e, assim, o trabalho construtivo esteve na sua infância e na sua forma de criar e de se fazer presente no mundo. A partir dos doze anos de idade, Bruno começa a desenhar e a ter contato com a arte de rua, como o grafite e o skate, além de acessar músicas de rap e de hip-hop com os primos, o que desperta seu interesse pela cultura do break. Pepeu aponta essa fase como essencial para, posteriormente, compreender a dimensão sociocultural dessas expressões “como uma porta de entrada para a gente entender a nossa possibilidade de se ver enquanto artista também, então eu cito isso como algo muito importante”, afirma o rapper. 

Na sua trajetória, o artista ressalta que os clipes de rap foram um dos lugares em que a juventude negra se viu representada para contar sua própria história, impulsionando seu viés artístico para o desenho. Em 2018, quando termina o ensino médio, Bruno ingressa na faculdade de Arquitetura e Urbanismo, influenciado pelos pais e pela vontade que já nutria. Esse momento e a relação entre o curso e o contexto da cidade histórica interferem, segundo afirma, em seu modo de ver o mundo e a arte tradicional em contraste com a arte contemporânea. Bruno reflete sobre as raízes de São João del-Rei: “a história de quem construiu essa cidade quase nunca é contada, eu nasci e cresci aqui, eu sempre via muito falar do patrimônio material dos monumentos, das edificações como algo valioso […]realmente é, porém eu nunca ouvi contar muito das histórias de quem construiu essa cidade”. 

Como parte da programação do Novembro Negro em Tiradentes, a exposição “Território: entre o corpo e a paisagem – IV ato” esteve aberta ao público do dia 8 até o dia 30, na galeria do IPHAN. Acerca das obras, Bruno comenta sobre seu processo criativo e aponta o amadurecimento até esse momento da atuação como artista plástico, ressaltando que consegue estabelecer um diálogo entre formação de vida e formação acadêmica por meio da exposição. 

Imersão reflexiva sobre a relação entre corpo, memória e paisagem. Foto: Dirceu Vieira

As vivências de Pepeu como multiartista são perpassadas pela relação entre território e corpo. Na sua busca por expressão, sobretudo nas artes plásticas, o arquiteto pontua que procura entender de que maneira o ambiente molda as pessoas, ao passo que estas também são moldadas pelo território em que habitam. Esse processo, considera, é coletivo e deixa marcas na história e nos símbolos arquitetônicos e culturais que são mantidos e reforçados ao longo dos séculos. Bruno afirma: “minha arte é um lugar onde eu estou trazendo essas mensagens que foram deixadas e evidenciando algumas mensagens que não puderam ser ditas também, algumas figuras que não foram visibilizadas e até hoje não são visibilizadas”. 
Em suas obras de arte, Pepeu ressalta que a identificação que ele procurava em outras representatividades artísticas na infância e na adolescência aparece também nos autorretratos. Segundo diz: “quando eu me coloco nesse lugar é para que outras pessoas que se assemelham a mim de alguma forma possam se ver num lugar que durante muito tempo eu não me vi”.

Se ver nas obras de arte contemporânea e ocupar esses espaços. Fotos: Dirceu Vieira.

Ao comentar sobre seu caminho nas artes e sobre a ocupação de lugares institucionais por meio de suas obras, Bruno destaca que a visão social na valorização direcionada a uma obra de arte na rua e a uma obra de arte no museu ainda possui diferenças, lembrando que “para um artista ser lido profissionalmente, a arte tem que estar em lugares que socialmente já são lidos dessa forma”. O rapper acrescenta que coabita esses dois universos, a rua e as instituições, fazendo sua arte chegar ao âmbito institucional, sem deixar de estar no espaço público. Para o arquiteto, levar sua arte a esses espaços, em um contexto histórico de peso, significa “fazer da arte um lugar de encontro e de comunidade”, afirma. 

Participação no Novembro Negro em Tiradentes. Foto: Dirceu Vieira

Por meio da expressão no rap, nas batalhas de rimas e nas artes plásticas, Pepeu considera que esse é um momento de trazer “novas vozes e novas narrativas”, que não tratam somente da dor, mas também da experiência de vida como um todo. O artista diz que é importante “retratar a nossa felicidade, a nossa plenitude, sabe, a nossa serenidade enquanto pessoas em diversas situações da vida”.  

“Muitas vezes a gente quer simplesmente estar pleno sem ter que reivindicar o nosso direito de estar naquele espaço, sabe, sem ter que estar sempre, enfim, se espremendo para poder caber”. 

No rap e nas batalhas de rima, das quais participa há dois anos, Pepeu afirma que esse é outro lugar de sua expressão artística, mais espontânea, ao mesmo tempo em que há o espaço público e questões como a responsabilidade na mensagem. Sobre esse meio, o rapper diz: “a rima me trouxe uma liberdade maior na palavra, de entender a poética no que a gente fala”, acrescentando que o recente tempo de batalhas de rima lhe trouxe autoconhecimento e mais perspectivas sobre o falar de si e o falar sobre um coletivo, que ele acredita ser uma ação de troca e de encontro.

“Eu sinto que pra batalhar a gente tem que estar muito consciente”. Foto: Lucas Anjos