Por Ana Cláudia Almeida e Giulianna Andrade

“Rir é um ato de resistência”. Há 3 anos, o falecimento do autor dessa frase, em decorrência da COVID-19, comoveu milhares de admiradores e, em seguida, desencadeou uma série de ações e acontecimentos em prol do avanço da arte e da cultura no Brasil. A exemplo disso, a promulgação da Lei Paulo Gustavo (LPG) foi uma grandiosa conquista para esta classe. Plenamente conectada aos princípios e esforços aos quais o ilustre ator e diretor se dedicou em vida, a Lei Complementar 195/2022, de autoria do Senador Paulo Rocha (PT), completou 2 anos no último dia 8. Mediante a isso e ao fato de Minas Gerais ser o estado mais beneficiado dentre todos participantes, conforme o Painel de Dados da LPG, um enfoque no impacto e progresso desta medida na cena artístico-cultural das Vertentes se mostra válido.

A princípio, deve ser lembrado, a LPG configura o investimento direto mais notável na cultura nacional. Elaborada a fim de garantir auxílios emergenciais demandados pelas consequências graves do período pandêmico, ela direciona cerca de R$3,86 bilhões para o fomento do setor em estados, municípios e no Distrito Federal. Em síntese, seu modo de execução, supervisionado pelo Ministério da Cultura (MinC) e regulamentado oficialmente em dezembro de 2023 pela Lei Complementar nº 202, propicia crescente criação de oportunidades de emprego e renda para profissionais da área.

Esquema mostrando etapas do processo de execução da lei.
Trâmite legal da Lei Paulo Gustavo. Imagem: Reprodução/Ministério da Cultura

Sabe-se que, embora muito desvalorizada no país, a arte tem um forte poder transformador na sociedade, proporcionando reflexão crítica inclusiva e, assim, influenciando a economia e a política. Nesse contexto, apostando no acesso à cultura audiovisual como uma ferramenta de estímulo à construção de identidades e formação de opiniões, em 2023, os estudantes de arte Pedro Garbo, 33, e Ana Lua, 23, iniciaram o Coletivo Cinema na Rua, em São João del-Rei. Ambos amantes de artes visuais desde a infância, após se aprofundarem nesse interesse com os estudos, procuraram se envolver em todas as partes do processo cineclubista, desde a curadoria de obras até o estímulo de debates. Atualmente, o projeto organiza sessões públicas gratuitas e exibições de mostras cinematográficas também em cidades como Resende Costa e Tiradentes.

Segundo Pedro, a introdução deste universo nas ruas mineiras não se limita ao nome do projeto, sendo, aliás, um dos pontos-chave de sua origem. Buscando expandir o enaltecimento e a compreensão do cinema nacional, a iniciativa atravessa o cotidiano da cidade ao promover um envolvimento inesperado de transeuntes e pessoas que os acompanham pelas redes sociais. “A gente sempre teve a ideia de não fechar esse cine clube num espaço particular, porque isso dificulta o acesso. Mesmo que seja de graça, nem todo mundo vai entrar na galeria de arte, então estar na rua é um jeito de ampliar esse acesso”, diz ele.

Questionados sobre a relevância da Lei Paulo Gustavo e seu real impacto no processo de valorização artístico-cultural no Brasil, os produtores culturais se mostraram pessimistas. Valores baixos diante das necessidades para manutenção do setor e dificuldades na remuneração dos trabalhadores são alguns dos aspectos citados que precisam ser aprimorados. No que se refere à cena cultural local,  irregularidades percebidas na elaboração e no exercício da lei nos municípios justificam um atraso na região das Vertentes. “A maior parte do orçamento pequeno de um projeto é usada na execução do próprio produto cultural, resultando em projetos executados com trabalho pouco ou não remunerado. Além disso, há problemas na execução das etapas da lei, como a falta de transparência e comunicação e o descumprimento de prazos pela administração pública. Observamos que a distribuição dos recursos na esfera municipal sofre com uma série de empecilhos burocráticos e políticos”, explica Garbo.

Hoje, os integrantes do Coletivo se encontram na expectativa de obter parte da verba disponibilizada pela Lei Paulo Gustavo, através da inscrição em dois editais. “A gente se inscreveu na LPG aqui de São João mas ainda não aconteceu. Já tem quase 8 meses e a gente está esperando o resultado. Então a gente não chegou a trabalhar com recursos extras ainda. Agora, decidimos nos inscrever também para (a seleção de) Resende Costa e aí a gente segue na espera, nessa ansiedade”, conta Pedro. Em caso de aprovação da proposta, segundo ele, a não dependência dos próprios meios ajudaria na continuidade das ações com mais segurança, fortalecendo o cineclubismo e a formação crítica em relação ao cinema na região.

Exibição de filme na Rodoviária velha de São João del-Rei
Evento fixo do Coletivo, o Cine no Ponto ocorre na Rodoviária Velha de São João del-Rei.
Foto: Reprodução/Coletivo Cinema na Rua

Apesar da mencionada demora no trâmite ligado a certos chamamentos públicos, no Campo das Vertentes já é possível observar efeitos da contribuição da Lei Paulo Gustavo em alguns tipos de programas. De acordo com a Secretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais (Secult-MG), nesta região, só em 2024  já foram publicados editais que abrangem categorias como produção de longas e séries, cotas para mulheres e estreantes e apoio a projetos de baixo orçamento. Estas seleções desejam garantir que uma variedade de iniciativas possam ser contempladas e apoiadas​. Nesse sentido, até abril deste ano um mutirão de esforços reuniu 62 pessoas trabalhando para analisar documentações e habilitar 2.016 processos, com 1.978 termos assinados e publicados. Tais termos são fundamentais para a formalização dos projetos e a liberação da verba necessária para a operação das atividades culturais previstas​.

Especificamente em Minas Gerais, a aplicação de recursos tem sido bem estratégica, fortalecendo as bases para um desenvolvimento cultural sustentável e dinâmico a longo e médio prazo. Inserido em uma parcela de agentes culturais beneficiados pela LPG, o sanjoanense Teatro da Pedra apresenta quatro propostas ativas aprovadas em seleções em nível estadual e municipal (Entre Rios de Minas).  Segundo Najla Passos, coordenadora da Assessoria de Comunicação,  os projetos cinematográficos, tais como a gravação dos filmes curta-metragem “Manoelina dos Coqueiros – Uma história a ser contada” e “Diálogos Partidas” e a utilização do galpão multiuso como sala de cinema e Centro de Pesquisa em Arte e Educação, correspondem a uma novidade e aposta do grupo referência na formação e promoção das artes cênicas.     

No que tange à legislação vigente voltada às artes, o coordenador geral e diretor artístico da instituição, Juliano Pereira, 53, relembrando os percalços enfrentados durante a pandemia, cita certa relevância: “Foi bem difícil para nós quando veio a pandemia, porque era um ano que a gente estava extremamente planejado e de repente a gente teve que cancelar tudo. A gente teve cortes financeiros, mudanças, muitas dificuldades. (…) De repente, você tem aí duas leis, dois meios de financiamento direto para a arte no Brasil. Lei Paulo Gustavo e Aldir Blanc. É bem interessante e importante.” 

Posteriormente perguntado sobre a eficiência do processo legal de repasse de recursos, o também ator e educador artístico demonstrou ser necessário ter paciência com os órgãos públicos e otimismo em relação a bons resultados no futuro. “Acho que essas leis estão ainda se estruturando, acho que a gente está aprendendo quais os caminhos num âmbito estadual, num âmbito municipal, aí varia de município as estruturas que precisam ter para conseguir que essas leis funcionem, que as pessoas tenham acesso. É complexo.” No que se refere à LPG no cenário regional, embora acompanhe a lei em apenas duas cidades, Juliano se apoia em um recorte pequeno e arrisca uma opinião: “Se você pensar no Campo das vertentes, é um recorte bem pequeno do que está acontecendo. Eu acho que, de maneira geral, não falando exatamente da lei Paulo Gustavo, eu acho que a gente tem que pensar primeiro na importância da arte e da cultura para a nossa sociedade, na necessidade da profissionalização dos processos, principalmente das Secretarias de Cultura. (…) Eu acho que a gente tem que entender, por um lado, que esse orçamento da cultura, as secretarias nunca tiveram. Então, é lógico, a gente tem um processo, tem desafios.” 

Em suma, especificamente nas Vertentes, um movimento cultural muito potente e segmentado conta com inúmeros artistas e fazedores(as) de cultura. Em vista disso, se mostra de fato preciso esse constante investimento e reconhecimento por parte dos agentes públicos, de modo que cada vez mais os espaços abriguem as mais diversas linguagens artísticas e pessoas possam viver exercendo seu estilo cultural de maneira plena. Saindo da teoria e indo para a prática, eventualmente alcançando o ideal funcionamento da Lei Paulo Gustavo, revitalização do setor, preservação da rica diversidade brasileira e acesso igualitário à cultura seriam relevantes garantias às nossas gerações futuras. 

Serviço

Para mais informações sobre a Lei Paulo Gustavo e seus editais, acesse: https://www.gov.br/cultura/pt-br/assuntos/lei-paulo-gustavo

Para mais informações sobre os projetos citados, acesse no Instagram:

@cinema_narua

@teatrodapedra